quinta-feira, maio 05, 2005

Quando o surf entrou na Baía

O surf está na moda. Melhor, o surf está outra vez na moda. O surf esteve na moda em meados dos anos 80, no tempo em que se dançava à surfista e se vestia de fluorescente. Então, os surfistas quase não existiam, pelo que pouco tiveram a ver com a moda do surf. Depois, em meados dos anos 90, o surf voltou a estar na moda. Por essa altura, gerou-se um hype em torno do ser radical. O Portugal Radical surfou os sinais do tempo e mostrou ao país o surf e, pela primeira vez, juntou-lhe os surfistas. Depois disso, a história é conhecida: os surfistas desentenderam-se, gerou-se algum vazio competitivo e, entretanto, o surf passou a actor secundário.
Mas como que para provar que o retorno não se baseia num eterno mito, o surf volta a estar na moda. Os sinais são muitos: telenovelas em que o surf cria o contexto; a surf music (ou música tocada por surfistas) que esgota o Coliseu; as surf schools que inundam o litoral de novos praticantes e, ainda, as escolas secundárias nas quais é difícil vislumbrar alguém que não se vista à surfista. Ainda assim, as revistas de surf mantém as vendas quase inalteradas e os surfistas pouco têm lucrado com a popularidade do surf. No meio disto, uma parte significativa dos tops nacionais são ainda da geração PR e Portugal, que tem uma longa e apreciável costa e um número significativo de participantes, tem praticamente apenas um solitário corredor no circuito mundial.
Mas há dias que, quando chegam, podem fazer com que nada seja como dantes. Pense-se naquela “quarta-feira” de ondas grandes, o dia do tow-in na Baía de Cascais. Um dia solarengo de Inverno. Centenas de pessoas a assistir, aparato mediático, discussões acesas na net, notícias nos telejornais das oito. Houve de tudo um pouco. Dos bravos às bravatas. Dos patrocinados aos outcasts. Mas, acima de tudo, o que até há uns anos seria impensável: o surf naquele lugar e com aquelas condições.
Antes de mais, o cenário. A Baía de Cascais. Uma baía, lugar de abrigo, de águas paradas e Cascais, o sítio, por excelência, da integração, da não-contracultura. O espaço do sucesso e paradigma do bem-estar na vida. É que, ainda que o surf em muitos casos tenha nascido naqueles ambientes – e em Portugal foi em larga medida assim –, a verdade é que sai deles e, quando regressa, volta transformado, mudando o lugar, mas, principalmente, as pessoas. Por isso, aquele dia revelou, também, que o surf pode regressar aos lugares da normalização e tornar-se aceitável, conforme aos padrões. Que isso seja feito com condições extremas não deixa, ainda assim, de ser paradoxal.
Depois, numa altura em que vivemos a terceira vaga da moda do surf, aquele dia de tow-in foi um momento para os surfistas participarem na tendência. Nas telenovelas ou no surfwear, os surfistas pouco participam. Naquele dia, o meio do surf foi, por momentos, (re)apropriado pelos surfistas, que ao surfarem aquelas ondas como que forçaram, pela mediatização, a sua entrada no surf integrado e gerador de lucros.
Há momentos que, por si só, mudam o contexto e o sentido das coisas. Aquele dia de tow-in na Baía de Cascais pode ter sido um deles. É provável que já tenham sido surfadas ondas maiores em Portugal. É ainda mais provável que muitos, um pouco por todo o país, tenham estado em situações mais limite. Mas as coisas só existem quando são visíveis, apropriadas pelos media. E foi isso mesmo que aconteceu com a entrada do surf na Baía. Resta saber se os surfistas vão continuar à margem dessa notoriedade ou, pelo contrário, vão aproveitá-la. É que seria uma estupidez deixar que o destino do surf não fosse tomado nas mãos pelos surfistas e que, estando o surf na moda, todos não lucrassem com o fenómeno. Os que vivem do surf e todos os outros que vivem para o surf. Os primeiros com melhores patrocínios e prémios; os segundos com uma maior preocupação dos poderes públicos com as ondas, a sua preservação e valorização.
artigo publicado no número de Abril da Surf Portugal.