terça-feira, junho 27, 2006

O regresso de Santana

Há dias, a direcção do grupo parlamentar do PSD disponibilizou-se para “integrar Santana Lopes o mais possível nos trabalhos do grupo parlamentar” (sic), como se estivesse a falar de um desvalido que precisa de frequentar um programa de inserção social. No Sábado, o Expresso noticiava que Santana teria direito a um gabinete de luxo no seu regresso à Assembleia da República – como se houvesse gabinetes de luxo em São Bento e como se, em alguma parte do mundo, fosse um luxo um antigo primeiro-ministro ter um gabinete individual. Claro que as notícias que se seguiram ao anúncio de que o ex-líder do PSD retomaria o seu lugar no Parlamento, ainda que com intensidade diferente do que acontecia no passado, têm apenas um objectivo: descredibilizar ainda mais Santana Lopes. A novidade é que este processo parece agora ser, no essencial, movido pelo seu próprio partido.

Desde que perdeu as eleições legislativas, o PSD tem procurado fazer de Santana Lopes o responsável, quase único, pela hecatombe eleitoral. Para a actual direcção do PSD, o executivo tinha um problema de credibilidade, que tornou a derrota eleitoral uma inevitabilidade. Pelo que a solução parece simples: recuperando a credibilidade perdida, as vitórias eleitorais voltarão.

Ninguém negará que o Governo Santana Lopes tinha vários problemas. Acontece que do ponto de vista da competitividade eleitoral, o primeiro de todos não era o carácter populista do seu líder ou a instabilidade que revelou, mas, sim, a sua fraca legitimidade política. Retrospectivamente, ninguém pode duvidar que era o próprio Santana Lopes o principal interessado em ter ido a votos e que não ter sido eleito directamente o tornou muito frágil.

Ao responsabilizar Santana Lopes e ao atribuir ao seu défice de credibilidade o descalabro nas últimas eleições legislativas, o PSD está apenas a evitar reflectir sobre os reais problemas que enfrenta em termos eleitorais. Que o continue a fazer, mais de um ano após as eleições, é sinal de profunda desorientação estratégica. É que o PSD tem procurado fazer a ruptura com Santana Lopes, mas não tem procurado fazer a ruptura com a sua última passagem pelo Governo. Acontece que os principais problemas que continua a enfrentar assentam aqui e não nos curtos meses em que Santana foi primeiro-ministro.

O Governo Durão/Portas representou um corte com as anteriores experiências governativas do PSD, nomeadamente sob a liderança de Cavaco Silva. Foi um executivo mais ancorado à direita, prejudicando o realismo reformista tradicionalmente atribuído ao PSD. Isso foi visível na política internacional com a primeira (e espera-se última) grande cisão entre os partidos do arco da governabilidade em Portugal, quando o Governo optou por uma posição seguidista da administração Bush; nas áreas sociais, quando se assistiu a um misto de conservadorismo social com uma dinâmica desreguladora de carácter neo-liberal e, acima de tudo, quando o Governo revelou uma fixação financista, que acantonou a governação em torno do défice das contas públicas – o que teve, aliás, como consequência a não resolução do desequilíbrio orçamental, ao mesmo tempo que inibiu a capacidade reformista do Governo noutras áreas.

Os resultados deste programa político são conhecidos: desadequação face à sociedade portuguesa, insensibilidade social, incapacidade de cumprir as metas definidas e, claro, duas derrotas eleitorais expressivas.

É este curriculum político que faz com que, hoje, o PSD esteja encurralado numa posição em que tudo o que lhe resta é dizer “esfola”, quando o executivo já disse “mata”. Santana Lopes é um epifenómeno neste percurso. Mas enquanto o PSD faz de Santana Lopes a raiz de todos os males, evita enfrentar as causas por detrás dos valores consistentemente baixos que tem apresentado nas sucessivas sondagens eleitorais. Apontar baterias a Santana Lopes é, aliás, revelador de que o PSD não tem percebido as razões do apoio eleitoral que o PS, apesar das medidas muito impopulares, continua a ter.

publicado no Diário Económico.