terça-feira, agosto 21, 2007

O Pacto do PSD

Há pouco mais de um mês, parecia que Marques Mendes enfrentaria o pior cenário possível. Ser candidato único à liderança do PSD. O sinal era então claro: ninguém queria ir a jogo, era cedo de mais. Depois, a história é conhecida, enquanto a “terceira-via” se encolhia, Menezes avançava. Marques Mendes deixou de estar sozinho num campo armadilhado. Mas será que faz assim tanta diferença?

Não faz. É muito provável que Marques Mendes vença as eleições internas. Mas vai vencer com base num pacto que não augura nada de bom. Se soma hoje apoios vindos de todos os quadrantes internos é pela convergência táctica de dois objectivos: impedir que Luís Filipe Menezes lidere o PSD e fazer de Marques Mendes o candidato nas próximas legislativas, antecipando uma derrota. Só assim se percebe, por exemplo, as manifestas desautorizações de que este foi alvo por dois dos redactores da sua moção estratégica (Dias Loureiro e Eduardo Catroga).

Esta subserviência ao tacticismo é um sintoma dos equívocos em que assenta hoje o PSD. Não será certamente pela medição de aplausos na festa do Pontal ou pela soma de apoios de barões que o partido se tornará eleitoralmente competitivo. O que o PSD precisa é de voltar a discutir política e encontrar elementos distintivos face ao PS. É um facto que não é fácil fazê-lo, mas talvez fosse boa ideia tentar.

Desse ponto de vista, vale a pena comparar as eleições internas do PSD hoje, com aquelas que ocorreram no PS há três anos.
É natural que a disputa entre José Sócrates e Manuel Alegre tenha tido o conjunto de incidentes que caracterizam as escolhas dentro dos partidos (aliás, como se tem visto no caso do BCP, as trocas de acusações processuais parecem ser uma “lei de ferro” das disputas de poder nas grandes organizações). Ainda assim, ficou claro que estava em causa a escolha entre dois caminhos estratégicos para o PS. De um lado, uma recentragem do partido com Sócrates e a opção por uma maioria absoluta; de outro, um percurso mais à esquerda com Alegre e a disponibilidade de avançar para coligações. Estas opções tinham consequências no tipo de papel que era defendido para o Estado, bem como nas escolhas em torno das políticas. A opção dos militantes foi nítida e a clarificação foi inclusivamente útil para a formação do que viria a ser o programa eleitoral para as legislativas de 2005.

Já no caso do PSD é com dificuldade que se percebe quais são os elementos estratégicos que distinguem a candidatura de Marques Mendes da de Luís Filipe Menezes. Provavelmente eles existem, mas só um espectador muito atento é que os poderá conseguir destrinçar. Até porque entre Menezes que quer, simultaneamente, manter o serviço nacional de saúde gratuito, ocupar a rua à imagem da CGTP e diminuir o papel do Estado e Marques Mendes que vai à Madeira elogiar Jardim para logo depois ir ao Algarve defender a regionalização, pasme-se, do Algarve, enquanto faz da credibilidade lema, as diferenças são poucas e as clivagens nenhumas.

Enquanto as eleições internas do PS serviram para reforçar o partido e clarificar as distinções estratégicas, as eleições internas do PSD só estão a servir para fragilizar os sociais-democratas e tornar ainda mais visível a sua ausência de rumo estratégico. E não tenhamos ilusões, enquanto o PSD não clarificar o seu rumo, se posicionar politicamente e ultrapassar os problemas que ainda persistem dos Governos Durão/Portas/Santana, a sua competitividade eleitoral será fraca.

O estranho é que este contexto parece ser do agrado de muitas das figuras do PSD, que assinaram um pacto não-escrito, preferindo esperar, em lugar de dar a cara agora. Podem, contudo, estar a cometer um erro de avaliação: não só a política portuguesa é cada vez mais volátil, como o PSD pode estar a chegar a um ponto de não retorno. Quer Marques Mendes, quer Luís Filipe Menezes arriscam tornar-se inamovíveis. O primeiro se tiver um resultado que chegue para retirar a maioria absoluta a Sócrates em 2009 e o segundo se alcançar uma votação interna em redor dos 40%. Se assim for, quem espera liderar o partido no futuro, terá de contar com a presença forte de ambos daqui a dois anos. Resta saber se todas as forças são conciliáveis e se ainda vai ser possível chegar a uma síntese que torne o PSD de novo ganhador.

publicado no Diário Económico.

terça-feira, agosto 07, 2007

Lisboa como antecâmara

Pulverização das candidaturas, uma campanha de insinuações, abstenção elevada e, no fim, dificuldade em criar uma maioria que garanta a governabilidade. Esta é parte da história das eleições intercalares de Lisboa. Uma história que pode antecipar o pior dos cenários para as próximas eleições legislativas, mas que trouxe também elementos de novidade, que podem servir para contrariar tendências mais pessimistas.

A uma escala diferente, os problemas da Câmara de Lisboa têm semelhanças com os do País. Desde logo porque não têm resolução fácil e muito menos imediata. E porque, em ambos os casos, a principal dificuldade é financeira. E sem solidez financeira não há nenhuma outra reforma que avance. Ora, para que haja resultados visíveis nesta frente é preciso tempo. E, na política, tempo é sinónimo de estabilidade. A autarquia de Lisboa tem tido um sério problema de estabilidade política e o Governo do País, sem maiorias absolutas, atravessou dez anos de instabilidade, vivendo agora um período de sinal contrário, mas que pode não ter continuidade.

Podemos ter muitas simpatias por formas mais participativas de decisão ou por privilegiar a representatividade em vez da formação de maiorias, mas não há volta a dar: a desconcentração excessiva do poder e a dispersão de pontos de veto são obstáculos à estabilidade e, por arrasto, à governabilidade. É que em Lisboa, como no Governo do País, a estabilidade não é condição suficiente para, de facto, governar, mas é certamente condição necessária.

E deste ponto de vista há várias lições que podem ser extraídas das intercalares.

Em primeiro lugar, esperar-se-ia que uma maior oferta eleitoral implicasse um aumento na participação, se nada mais porque à existência de mais alternativas deveria corresponder uma maior representatividade dos vários nichos eleitorais. Deveria mas não corresponde, como ficou provado com a elevada abstenção em Lisboa.

Em segundo lugar, a eleição de vários grupos ou partidos não deveria significar uma maior dificuldade em promover a governabilidade. O que seria expectável é que, até às eleições, cada uma das candidaturas apresentasse o seu programa; depois estes seriam sufragados e as partes chegariam a compromissos equilibrados, dentro de grandes áreas ideológicas e sempre com a consciência de que o vencedor não poderia desvirtuar o essencial do seu programa eleitoral. Mas, por uma combinação bizarra de tacticismo político com um discurso que vê no exercício do poder a raiz de todos os males, tornou-se aceitável que os eleitos ajam de modo irresponsável, não se sentindo obrigados a criar condições efectivas para que seja possível a quem ganhou governar. Ou seja, a pulverização dos partidos eleitos significa uma diminuição da governabilidade.

Acontece que em Lisboa e no País, a possibilidade de existirem maiorias de um só partido pode ser cada vez menor, pelo que talvez passe por uma cultura de coligações a possibilidade institucional de ultrapassar os bloqueios persistentes que enfrentamos. Como se viu mais uma vez, a ausência desta cultura faz-se sentir de modo bem mais premente à esquerda do que à direita. As razões para que isso aconteça são bem conhecidas: a combinação de conservadorismo com maximalismo que coexistem, em tipos e graus diferentes, no PCP e no BE e um PS que – no que é uma idiossincrasia comparado com os seus congéneres europeus – se afirmou em importante medida “contra” o espaço político à sua esquerda.

Neste contexto, a disponibilidade revelada pelo BE para entrar na coligação que vai governar Lisboa representa uma nova fase do diálogo entre os partidos de esquerda. Mas uma nova fase que ao mesmo tempo que torna possível ao PS governar sem maiorias absolutas servirá para pôr à prova os equilíbrios internos do próprio BE. Visto de fora, tudo aparenta que o BE ficou dividido entre os que querem fazer de Lisboa o trampolim para a institucionalização do Bloco como partido de poder e os que esperam que Lisboa sirva de vacina para o Bloco como partido de poder (mantendo-se portanto como “alternativa socialista”, seja lá o que isso quer dizer no século XXI). Trata-se de uma disputa interna a um partido e que pode parecer marginal, mas pode vir a contar muito mais do que aparenta no pós-eleições de 2009.

publicado no Diário Económico.