terça-feira, maio 29, 2007

A febre dos independentes

Muito se tem dito sobre o carácter nacional das eleições intercalares em Lisboa: que, por força do envolvimento político, em 2005, de Marques Mendes na escolha de Carmona Rodrigues, está em causa a actual liderança do principal partido da oposição; que, tendo em conta a candidatura do número dois do executivo, será um momento de avaliação da acção do Governo. No entanto, se as extrapolações conjunturais são legítimas, estas autárquicas serão um barómetro para um outro tema nacional, bem mais estrutural – a crescente rejeição dos partidos e a popularidade dos candidatos ditos independentes. Com as candidaturas de Carmona Rodrigues e Helena Roseta, já não se trata, apenas, de uma escolha para governar a cidade e de um momento de avaliação das popularidades relativas dos dois principais partidos portugueses. Os lisboetas estarão também a fazer um voto sobre o lugar e o papel que ainda ocupam os partidos políticos.

Contudo, convém ter presente que não há nenhuma verdadeira candidatura independente à Câmara de Lisboa. Nem a candidatura de Carmona Rodrigues, nem a de Helena Roseta resultam de movimentos organizados, com encastramento na sociedade civil e vindos de fora dos partidos. Pelo contrário, ambas as candidaturas resultam de zangas com os partidos e exploram, mais ou menos oportunisticamente, a má imagem destes. Helena Roseta fez a sua carreira política nos partidos. Recentemente, discordando da escolha legítima do partido a que pertencia, optou por se candidatar como independente; Carmona Rodrigues é a criação de uma lista partidária, tendo, há dois anos, sido instrumental para o PSD resolver um problema político. Agora, depois de um processo de degradação institucional difícil de compreender, candidata-se contra o partido que o apoiou e ao qual deu cobertura, designadamente através da concessão de um número extraordinário de sinecuras partidárias enquanto presidiu à Câmara.

É legítimo e percebem-se bem as razões porque ambos se candidatam, mas é errado confundir estas candidaturas com a abertura de novos espaços de cidadania ou com o surgimento de algo de novo. A proliferação de candidatos independentes à Câmara de Lisboa é sintoma da desconfiança face aos partidos, mas não contribui em nada para melhorar o estado de coisas.

Nada disto deve impedir que os partidos interpretem estes sinais. Não é por acaso que, nas três sondagens já publicadas, a soma de votos de Carmona Rodrigues e Helena Roseta anda sempre em redor dos 30%. Os partidos são cada vez mais vistos como entidades fechadas e pouco representativas. A reprodução do poder partidário é o mecanismo agregador por excelência e em lugar da representação orgânica de interesses, os partidos competem para saber quem é melhor gestor da coisa pública, neutralizando a diferenciação ideológica. A consequência é que o campo fica aberto para todos os populismos. Há, de facto, bons motivos para a desafectação face aos partidos e nas intercalares de Lisboa há uma oportunidade para os eleitores os castigarem, sem que daí advenham demasiados custos.

No actual contexto, há dois cenários para a reabilitação da vida pública. Ou o surgimento de movimentos organizados e com encastramento social que promovam novas formas de participação – o que, convenhamos, em Portugal, com uma sociedade civil anémica, atomizada e dependente, é uma impossibilidade em absoluto – ou serem os próprios partidos a promover uma regeneração das suas práticas internas e prioridades públicas.

O que se espera do PSD e do PS nas eleições de Lisboa é, por isso, que renovem as suas respectivas “marcas partidárias”: cortando com o seu passado autárquico; colocando, sem eufemismos, o combate à corrupção e uma discussão séria sobre o financiamento partidário no topo da agenda; e enfrentando a espessa, ainda que nem sempre visível, coligação de interesses que, através do poder autárquico, numa rede tentacular a que poucos escapam, fragiliza a democracia portuguesa. As candidaturas de Carmona Rodrigues e Helena Roseta não resolvem nenhum destes problemas, mas, pelo menos, podem servir para pressionar os partidos a enfrentá-los.

publicado no Diário Económico.

terça-feira, maio 15, 2007

O drama de Lisboa

Não é fácil encontrar um observatório tão conciso das causas que afastam os portugueses da política como os últimos tempos na Câmara de Lisboa. Passo a passo, foram surgindo todos os factores de desconfiança dos cidadãos na política: as relações perigosas entre o poder autárquico e os interesses ligados à construção civil (a que parecem não escapar nenhum partido); a crescente tendência para a partir do Ministério Público ser feita política, aceite explícita ou implicitamente pelos partidos; o fechamento claustrofóbico das estruturas partidárias locais, que já não representam quase nada e sustentam-se em mecanismos de reprodução de poder em circuito fechado, assentes em sinecuras na órbita do poder autárquico; e, finalmente, a lógica politiqueira, que valoriza a intriga de fontes anónimas com eco em jornais, em lugar de aceitar a dissensão com base em diferenças aceites abertamente e acomodadas organicamente.

Em política, o que parece é. E o que parece que se passou em Lisboa é exactamente uma combinação de todos estes factores. O drama de Lisboa não é só a desordem na administração da cidade e o descalabro financeiro, é ter-se tornado um paradigma da degradação da política.

Engane-se, por isso, quem pensa que a queda do executivo representa a vitória de uns e a derrota de outros. Não. Ninguém sai bem da fotografia e todos perderam. Claro que há dois grandes perdedores. Carmona Rodrigues, que se mostrou politicamente incapaz de exercer o mandato para o qual, verdade seja dita, nunca esteve talhado e Marques Mendes, que viu tornar-se claro quão perversos eram os caminhos por si iniciados ao estabelecer o princípio do impedimento do arguido. Ao procurar encontrar um argumento jurídico para resolver os casos eminentemente políticos de Isaltino Morais e Valentim Loureiro, o líder do PSD acabou por criar um problema político que dificilmente conseguirá ultrapassar.

As consequências estão, desde já, à vista: pulverização de candidaturas e possível surgimento de vários candidatos independentes. Se nada for feito, o resultado final do que se tem passado, temo, será a desmobilização e a abstenção. Ninguém pode estar contente com aquilo a que se tem assistido.

Para grandes males, grandes remédios, costuma dizer-se. É o que Lisboa está a precisar. Uma resposta política forte e com autoridade. Desse ponto de vista, a hipótese, aventada nos últimos dias, da candidatura de António Costa é adequada. Trata-se de um candidato de perfil elevado, com peso político próprio e autonomia de movimentos. Capaz, por isso, de levar a cabo um duplo exercício de autoridade, impondo a sua vontade perante o aparelho partidário local e enfrentando os interesses que circundam a Câmara de Lisboa. No fundo, alguém capaz de tratar da política, o que é para já a prioridade em Lisboa, para que depois haja condições para se tratar das políticas.

Após três desaires eleitorais sucessivos (autárquicas, presidenciais e regionais), as eleições intercalares em Lisboa são um enorme desafio para o Governo: o pior que poderia acontecer a José Sócrates era perder novamente Lisboa. Pelo peso simbólico de se tratar da capital e porque uma derrota diminuiria a capacidade reformista do Governo. Neste quadro, a eventual saída de António Costa não fragiliza politicamente o Governo. Pelo contrário, o que fragilizaria, de facto, o executivo seria uma derrota do PS em Lisboa.

A candidatura do número dois do executivo aumenta, contudo, a pressão sobre Marques Mendes. No actual contexto, a alternativa que resta ao PSD é apresentar também um nome de primeira linha. Se José Sócrates joga muito nas eleições da capital, Marques Mendes joga a capacidade de, de facto, ser um candidato competitivo a primeiro-ministro daqui a dois anos.

Depois de um ano e meio de degradação institucional, que expôs o “mal da política” nacional, os dois principais partidos têm, nas eleições intercalares, a responsabilidade de mostrar que estão activamente empenhados, não apenas em governar Lisboa, mas, também, em combater as causas que levaram à queda do executivo camarário. O que vai estar em jogo em Lisboa vai muito para além das escolhas de políticas para a cidade. Saibam PS e PSD assumir a responsabilidade e aproveitar a oportunidade.

Publicado no Diário Económico.