terça-feira, maio 13, 2008

O dilema da oposição

A campanha para as directas do PSD tem revelado uma tensão entre o que é o discurso adequado para mobilizar os militantes do partido e o que deve ser feito para o tornar competitivo junto dos eleitores portugueses. Uma tensão que não é exclusiva a disputas internas no PSD, já que o PS a tenderia a enfrentar caso estivesse na oposição. O modo como se posicionam perante esta tensão, ajuda a compreender os problemas diferentes que enfrentam as campanhas de Pedro Passos Coelho e de Manuela Ferreira Leite.

Depois de ter sido apresentada como vencedora anunciada, não passa um dia sem que a comunicação social dê sinais de que Ferreira Leite não tem conseguido construir momentum e que, ao contrário do que seria inicialmente esperado, as estruturas partidárias intermédias não só não a apoiaram em massa, como têm vindo a apoiar Passos Coelho e até Santana Lopes. Este contexto tem sido agravado pela ausência de um discurso político e estratégico da sua parte. Nas entrevistas que a candidata tem dado (primeiro ao Expresso e depois na RTP), os elementos de diferenciação por relação ao actual Governo são poucos e Ferreira Leite sublinha que a sua mais valia comparativa é a credibilidade. Sintomaticamente, a candidata já várias vezes aludiu ao tema licenciatura do primeiro-ministro. O que faz adivinhar o tipo de campanha em que aposta.

Já Passos Coelho construíu a sua campanha em torno de uma ideia política que visa reposicionar ideologicamente o PSD. Ainda que baseado na vulgata da blogosfera, o objectivo de Passos Coelho é tornar o PSD um partido mais liberal, afastando-se da matriz que esteve por detrás das vitórias eleitorais social-democratas com Cavaco Silva. O facto deste candidato ter surgido como alguém mais interessado em discutir ideias do que táctica tem-se revelado uma importante vantagem para a campanha interna. Antes de mais, porque lhe tem permitido obter apoios de caciques internos sem que a sua imagem se ressinta desses mesmos apoios; depois porque a definição ideológica tem funcionado como um tónico para a mobilização dos militantes.

Aliás, este último aspecto é a raiz de muitos dos problemas que enfrentam quer PSD, quer PS quando se encontram na oposição. Os militantes tendem a rever-se na demarcação ideológica e num deslocar do posicionamento dos partidos, respectivamente, para a direita e para a esquerda. O mesmo já não é válido para o conjunto do eleitorado que não se guia tanto pelas clivagens tradicionais como factores determinantes do voto (ex. classe social e religião), mas mais por variáveis políticas de curto prazo (ex. o desempenho económico, os escândalos políticos e, claro, as percepções sobre os líderes).

Esta tendência é, contudo, no caso português intensificada por uma outra dimensão. De acordo com os dados de Anna Bosco e Leonardo Morlino, citados por Carlos Jalali, a percepção dos eleitores quanto à proximidade ideológica entre PSD e PS é comparativamente muito maior do que em Espanha e em Itália. Numa escala de 1 a 10, PSD e PS distanciam-se 2.6 pontos, PP e PSOE 4.4 e Forza Italia e DS 4.8. Ou ainda, no que é outra forma de medir a diferença entre campos políticos, em Portugal não há clivagens relevantes em torno de questões que materializam a distinção ideológica. Por exemplo, os portugueses quando questionados sobre se o sistema de saúde deveria ser controlado pela iniciativa privada, rejeitam massivamente esta hipótese, independentemente do seu posicionamento ideológico ou voto partidário.

Ora, este contexto cria um dilema claro. Para ganhar eleições internas é preciso fazer afirmações ideológicas e acentuar a distinção nas opções sobre as políticas. Pelo contrário, para se ser competitivo face ao partido que está no poder, é necessário sublinhar as diferenças em aspectos que têm mais a ver com a personalidade dos líderes e esperar que outros factores de curto prazo joguem a favor (comportamento económico e do emprego e escândalos políticos). Passos Coelho seguiu o primeiro caminho, enquanto Ferreira Leite seguiu o segundo. Resta saber se os militantes quando forem votar, vão escolher autonomamente o seu líder, sem considerações sobre o que é mais avisado eleitoralmente ou, pelo contrário, vão ser mais sensíveis ao que as sondagens (isto é, o conjunto dos portugueses) dizem que o PSD deve fazer. A vitória nas directas dependerá da resposta a esta questão.

publicado no Diário Económico.