sábado, janeiro 30, 2010

O diabo está nos detalhes

Quem leve a sério os discursos políticos tenderá a acreditar que há um amplo consenso em torno da contenção da despesa. Na verdade, podemos mesmo chegar a crer que está em curso um campeonato para saber quem é mais favorável à disciplina orçamental. O problema é que os discursos não resistem ao teste da realidade. Como provaram as negociações pré-orçamentais, há entre nós uma notável incapacidade de consensualizar acordos de contenção da despesa quando se passa da discussão abstracta para o concreto. Depois de os partidos todos terem estimulado a consagração de um regime de excepção para as carreiras dos professores, ao mesmo tempo que é pedido um esforço solidário aos funcionários públicos, assistimos a uma espécie de pré-discussão na especialidade que não deu nenhum contributo para diminuir estruturalmente a despesa. Perante desequilíbrios orçamentais que não se vê como possam ser ultrapassados até 2013, fica claro que não bastam "abstenções construtivas"; é necessária uma coligação formal em torno de um programa plurianual para equilibrar as contas públicas. Como se encarregará de demonstrar a discussão orçamental na especialidade, o Diabo - o aumento da despesa - estará nos detalhes. Com acordos de navegação à vista, poderemos dar o benefício da credibilidade a Teixeira dos Santos (que se apresentará com renovada capacidade de fazer estimativas), aguardar a retoma económica ou até esperar a complacência dos mercados, mas o mais certo é caminharmos inexoravelmente para o Purgatório.
publicado no i.

sexta-feira, janeiro 29, 2010

O regresso dos homens sem rosto

Fixem este nome: Anthony Thomas. Ele é o novo homem sem rosto. O mais provável é que, a esta hora, se encontre fechado num gabinete em Londres às voltas com a leitura do Orçamento do Estado português. A empresa para a qual trabalha, a Moody's, vive uma profunda crise de credibilidade, afectada pelos erros de avaliação que, com outras agências de rating, cometeu e que foram relevantes no desencadear da crise financeira. Naturalmente que os erros cometidos têm custos: Anthony Thomas e os seus colegas agem como animais acossados, que atacam ao mais pequeno sinal de fragilidade. Em teoria, são fiéis intérpretes do modo como o mercado percepciona o risco; na prática não é tanto assim. Ainda esta semana, os mercados procuraram obrigações do Estado grego a um ritmo três vezes superior ao esperado. Ou seja, os analistas foram contraditados pelo próprio mercado. Logo, não podemos deixar de pensar que a "confiança dos mercados" é também um eufemismo para potenciar movimentos especulativos. Perante isto, pode um Estado como Portugal agir de outro modo e não cuidar do modo como os mercados nos olham? Não, até porque a dimensão dos nossos desequilíbrios orçamentais é assustadora. O drama é que, enquanto a política orçamental se torna numa gestão de fatalidades, um ano após a crise, o mundo esqueceu-se de discutir as suas causas e de as enfrentar. Aceitamos hoje, com assinalável complacência, que os homens sem rosto ajam como faziam há um ano, quando devíamos estar a procurar uma alternativa às agências de rating.
publicado hoje no i.

quinta-feira, janeiro 28, 2010

A única saída

É frequente ouvirmos dizer que, hoje, os sindicatos que protestam são aqueles que podem: os que representam segmentos da força de trabalho protegidos por vínculos laborais seguros. Vezes de mais, este grupo confunde-se com os funcionários da administração central e local. O paradoxo é que, sendo os que mais se mobilizam e protestam, os funcionários públicos são também o elo mais fraco de cada vez que regressamos à disciplina orçamental. Com uma despesa muito rígida, sem qualquer margem de manobra para cortes nas prestações sociais (que pela força combinada da maturação do sistema e da crise económica tenderão naturalmente a subir), a única saída para aliviar, ainda que marginalmente, a despesa pública passa pelos cortes salariais na administração pública. É, contudo, um esforço solidário que faz sentido pedir. Afinal, ao longo de 2009, os funcionários públicos viram o seu rendimento disponível aumentar e, neste momento, a prioridade deve ser garantir o emprego dos que têm os seus postos de trabalho em risco e promover o regresso ao mercado dos que estão fora. Mas, numa altura de dificuldades e sacrifícios, não deixa de ser sintomático que, ainda assim, haja funcionários públicos de primeira, como revela a situação de excepção que foi acordada para as carreiras na educação.
comentário publicado hoje no DE a propósito dos congelamentos salariais na A.P.

quarta-feira, janeiro 27, 2010

O mundo está a olhar para nós

O exercício orçamental de 2010 não se limita à tradicional relação entre despesa e receita e ao modo como aquela orientará as políticas públicas. Na ressaca da crise internacional, este Orçamento é também uma lei para consumo externo. Com as agências de rating a viverem uma violenta crise de credibilidade, a malha com que olham o comportamento das contas públicas tornou-se bem mais apertada. Com a reacção dos mercados ao caso grego e com os efeitos de contaminação de toda a zona euro, Portugal acabou por ver a sua exposição ao risco significativamente aumentada.
Este novo contexto deixou-nos perante um dilema, divididos entre o Orçamento de que a economia e o mercado de trabalho precisavam e o sinal que é imperioso dar para abrandar a pressão das agências de rating. Com o espectro de um aumento dos custos de financiamento da economia portuguesa a pairar, ficámos sem margem para escolher e de facto perdemos parte da nossa soberania política.
A contenção da despesa corrente primária, os cortes no investimento e as negociações políticas à direita servirão para que os mercados olhem com tímida satisfação para o OE 2010 – que ainda assim tenderão a considerar insuficiente. Mas pelo caminho parece ter ficado esquecido o primado do investimento público, que, ouvimos repetir, deveria nortear as boas respostas domésticas à crise internacional.
publicado hoje no i.

terça-feira, janeiro 26, 2010

A justiça no YouTube

Há umas duas décadas, informação em segredo de justiça começou a ser relatada na imprensa. Na altura, o fenómeno, popularizado pelo Independente, ficou conhecido como “jornalismo de investigação” e foi recebido com entusiasmo.

Depois, o sistema de justiça foi ficando cada vez mais poroso e começámos a ter citações de peças processuais. Mas a tendência era imparável e logo se seguiram as transcrições integrais de escutas. Tudo se passou muito depressa. Pelo caminho, notável coincidência, enquanto os representantes corporativos dos operadores do sistema iam ganhando crescente protagonismo mediático, juízes e magistrados do ministério público, que tradicionalmente estavam entre os profissionais em quem os portugueses mais confiavam, passaram a comparar mal com políticos em estudos de opinião. Na semana passada foi dada mais uma estocada no já frágil prestígio da justiça em Portugal: o áudio de escutas do processo "apito dourado" foi reproduzido integralmente no YouTube.

Neste caso concreto, como em muitos anteriores, a violação do segredo de justiça serve apenas um propósito: compensar com disseminação de informação na opinião pública a incapacidade de produzir prova no lugar adequado, os tribunais. É que uma coisa é consideração subjectiva que cada um de nós pode fazer sobre a culpabilidade de alguém (e naturalmente que tenho a minha opinião pessoal sobre a idoneidade de Pinto da Costa e outras figuras do futebol nacional), outra, bem diferente, é tolerarmos que os julgamentos passem para a praça pública, agora através do YouTube. Ao aceitarmos que este passo seja dado, estamos a aceitar que um inocente perca, de facto, as garantias que lhe são devidas se estiver perante a justiça.

Há, contudo, um outro problema, não menos relevante. A violação do segredo de justiça é por natureza assimétrica. A passagem de informação a conta-gotas serve invariavelmente para que se crie uma percepção parcelar - ou seja, em lugar da busca da verdade e de justiça temos tentativas de construção de culpabilidade com base apenas em alguns elementos processuais. Além de que nada nos garante que a informação veiculada para os media seja factualmente verdadeira.

É por tudo isto que é tão grave a sistemática e indesculpável ausência de investigação consequente de casos de violação do segredo de justiça. O que aliás serve para revelar um paradoxo: ao mesmo tempo que é tão fácil para o nosso sistema escutar alguém (sem que seja garantido que o conteúdo dessas escutas é reservado e não cai no domínio público), continua a ser tão difícil "escutar" se, por exemplo, um juiz, um magistrado do Ministério Público, um funcionário judicial ou um advogado falou com um jornalista sobre elementos de um processo.

publicado no Diário Económico.

sábado, janeiro 23, 2010

A troca orçamental

A incapacidade de a maioria aritmética de esquerda se traduzir numa coligação política é o mais estrutural dos bloqueios do nosso sistema partidário. Com uma maioria relativa do PS no Parlamento, o tema regressa à tona, com particular intensidade quando se discute o Orçamento do Estado. Um parlamento de esquerda que se revela incapaz de um entendimento em torno da lei fundamental para a governação. O paradoxo tem raízes sólidas.

Ao mesmo tempo que o PS não consegue hegemonizar à esquerda, as condições de diálogo têm sido impossibilitadas pelo efeito combinado - ainda que assimétrico - de um PS partido-charneira e de um BE e um PCP em acantonamento auto-infligido (sustentado por uma combinação que não encontra paralelo na Europa parlamentar entre irrealismo e conservadorismo).

Desta feita, há certamente bons argumentos para não haver um entendimento orçamental à esquerda, mas convém que sejam explicitados. Caso contrário, a ideia que fica é de que o PS desistiu de desbloquear a sua relação com a esquerda. Se assim for, o próprio governo chegará às próximas presidenciais numa situação muito delicada: emparedado entre Cavaco Silva, manifestamente hostil a Sócrates, e Manuel Alegre, cuja dinâmica política vai no sentido contrário à da maioria socialista. Sem candidato presidencial de facto e condenado pela realidade a uma troca orçamental com o PSD/CDS, o PS pode continuar a assumir-se como um referencial de estabilidade, mas vai lentamente delapidando a sua base política.

publicado no i.

sexta-feira, janeiro 22, 2010

O tecto de Cavaco

A História diz-nos que um Presidente ou primeiro-ministro eleito que se recandidate ganha as eleições. Mas a história também nos conta que Cavaco Silva tem um tecto eleitoral que não só nunca superou como se revela surpreendentemente estável - em 1987, 50,22%; em 1991, 50,60%; em 2006, 50,59%.

Ao longo destes quatro anos, Cavaco deu algum passo no sentido de alargar a sua base eleitoral? A resposta é não. Nesse sentido, o primeiro mandato de Cavaco foi atípico. Com o recurso a comunicações ao país que só introduziram ruído no debate; com uma inclinação para tutelar o seu espaço político de origem; e, acima de tudo, com uma reconversão de primeiro-ministro modernizador em Presidente conservador, numa altura em que o conservadorismo social está em retracção no país, Cavaco cristalizou a sua base de apoio. Pelo caminho, ao envolver-se por interposta pessoa nas disputas eleitorais, delapidou aquele que era o seu principal capital político: a ideia de que pairava acima da miséria da política partidária e que era um referencial de estabilidade e previsibilidade. A consequência é que, pela primeira vez, se discute a reeleição de um Presidente. Fica, contudo, uma dúvida: será Cavaco no último ano de mandato capaz de voltar a corporizar o apelo modernizador que fez parte da sua identidade e com isso ultrapassar o seu tecto e (re)conquistar o eleitorado central para a sua reeleição?

publicado no i.

sábado, janeiro 16, 2010

O silenciamento de Marcelo

A RTP acabou com as escolhas de Marcelo mas, felizmente, a consequência não será o silenciamento de Marcelo. Pelo contrário, como, ainda assim, na televisão o mercado funciona, o professor limitar-se-á a ver o seu "preço" aumentar e acabará disputado entre vários media. Na verdade, o fim concreto do programa é o lado menos preocupante da decisão. Bem mais grave é a visão que ela tem implícita sobre a natureza da análise política e sobre o pluralismo.

Desde logo, não há comentário político independente, assente numa mirífica neutralidade axiológica. Pelo contrário, o comentário é alicerçado numa determinada visão política, que enquadra as análises. Contudo, e esse é o equívoco, uma coisa é analisar a partir de um posicionamento ideológico, outra é fazê-lo com base numa agenda partidária. Não há razão nenhuma que impeça um militante partidário de analisar a actualidade com autonomia face ao seu espaço de origem. Depois, o pluralismo não se garante nem ao cronómetro, nem com programas televisivos que se transformem em frisos parlamentares. Na verdade, se o argumento do contraponto a Marcelo for para levar a sério, para dois militantes do PSD na TV, deveriam existir três do PS, um do CDS, do BE e do PCP, sempre com uma distribuição dos tempos proporcional aos resultados eleitorais. Assim se vê como, ao contrário do que pensa a ERC, a forma menos má para garantir o pluralismo continua a ser deixar a questão entregue aos critérios autónomos de quem dirige editorialmente os media.

publicado hoje no i.

sexta-feira, janeiro 15, 2010

A Grécia não é aqui

Portugal tem uma inclinação para o copianço. Consoante as preferências políticas, já quisemos emular o modelo irlandês, espanhol, finlandês e dinamarquês. Como era expectável, nunca conseguimos importar com sucesso o que correu bem noutras paragens. As importações acríticas vêm sempre acompanhadas de uma propensão para a engenharia social, insensível às especificidades nacionais. Mas se no passado a competição era na escolha do modelo de sucesso a imitar, entretanto foi inaugurado um novo desígnio nacional: escolher o país cuja desgraça vamos replicar.

Neste campeonato, a Grécia leva vantagem. Acontece que, sendo a nossa situação muito complexa, é, ainda assim, diferente da grega. Para um défice de 8% em Portugal, a Grécia apresenta 12,7%; para uma dívida pública de 77%, os gregos têm 113%. Temos também um lastro recente de capacidade de redução do défice e de reforma em domínios relevantes que a Grécia não apresenta. O que explica, como sublinhava o "Finantial Times", que, por comparação, a Grécia tenha um problema sério de credibilidade. Ainda assim, a Grécia tem uma vantagem política: um governo suportado numa maioria parlamentar que, contudo, coexiste com níveis de contestação extraparlamentar bem maiores que os nossos. Temos razões para estarmos preocupados? É evidente que sim. Mas temo que, quer no sucesso, quer no insucesso, a fixação no que acontece lá fora seja apenas uma forma de não enfrentarmos os nossos problemas específicos.

publicado hoje no i.

terça-feira, janeiro 12, 2010

A factura dos professores

Nas últimas semanas, o país regressou a uma tradição com lastro histórico: os apelos aos consensos responsáveis em torno das contas públicas.

Mas, uma coisa são os apelos, outra, é o modo como estes se confrontam com a realidade. É difícil encontrar um exemplo mais acabado desta dissonância do que a discussão sobre as carreiras dos professores.

Deixo assumidamente de lado a dimensão pedagógica da avaliação para sublinhar dois aspectos: os professores gozam de uma carreira excepcional no contexto da função pública e a sua massa salarial corresponde a cerca de 3% do PIB e consome 80% do orçamento da política educativa.

Perante este contexto, em 2005, o que existia era um modelo de avaliação com escassas consequências do ponto de vista da carreira e progressões automáticas (que faziam com que todos os professores ascendessem, por antiguidade, ao topo da carreira). Ou seja, se nada fosse feito, a despesa com salários continuaria a crescer a um ritmo acelerado e o orçamento para a educação seria todo consumido com os professores.

Depois, o Governo abriu uma frente de hostilidade com os professores, que acabou por redundar num braço-de-ferro que consumiu politicamente a anterior ministra. Esta semana, foi alcançado finalmente um acordo. E é aqui que regressam os custos financeiros da avaliação dos professores.

Este acordo coloca-nos numa situação melhor do que a de 2005: passa a existir uma avaliação com consequências, que diferencia, sendo que o Ministério não prescindiu das quotas e de vagas fechadas em dois escalões. Contudo, coloca-nos também numa situação pior do que a que decorria do "modelo" Maria de Lurdes Rodrigues: as condições de progressão são bem mais favoráveis e há uma autêntica bomba orçamental ao retardador, tendo em conta que os professores que não progridem acumulam bonificações que, em última análise, acabam por lhes garantir a ascensão na carreira. Claro que devemos agora esperar que as escolas, uma vez acordado um modelo, passem a diferenciar as notas, em lugar da pornográfica generalização de bons, muito bons e excelentes actualmente existente.

No fim, fica uma certeza: da mesma forma que o país tem na factura energética uma das principais causas do endividamento externo, tem na factura dos professores uma das causas do crescimento da despesa orçamental. A este propósito, muitos têm optado por demonizar o papel dos sindicatos. Parece-me que é errado fazê-lo. Os sindicatos fizeram o seu trabalho. O que não se esperava era que os partidos, bem como o Presidente da República, sempre tão preocupados com os desequilíbrios orçamentais, tivessem dado cobertura política às reivindicações dos professores. No fundo, tudo isto serve para tornar claro como o discurso sobre a contenção da despesa não resiste ao teste da realidade.

publicado hoje no Diário Económico.

sábado, janeiro 09, 2010

Tempo Perdido

Nos últimos três meses assistimos a um braço-de-ferro parlamentar, em que os partidos procuraram definir os contornos deste ciclo político. Perdemos tempo. Esta semana aconteceu o inevitável. Perante uma grave crise económica e social, com contornos orçamentais dramáticos, PS e PSD chegaram à conclusão óbvia: neste contexto estão condenados a entender-se. Com as condições de governabilidade bloqueadas à esquerda e com uma negociação casuística e multipartidária a provocar um aumento da despesa, o esforço de disciplina orçamental precisa de um entendimento estável. Mas uma coisa são as proclamações, outra é a prática concreta.
Desde logo, um entendimento precisa de previsibilidade e de interlocutores fiáveis. Se bem se percebe, o governo iniciou negociações com uma direcção demissionária. Ora não é preciso fazer um grande exercício de memória para recordarmos como, no passado recente, lideranças do PSD rasgaram compromissos assumidos pelas direcções anteriores. Depois, como escrevia Martin Wolf num notável artigo no "Financial Times", países como Portugal caíram na armadilha do euro, mas, descartada a hipótese de sair da moeda única, é uma fatalidade que os ajustamentos sejam feitos, em parte, do lado dos salários. Como mostra o dossiê da avaliação dos professores, uma coisa é a expressão abstracta de vontades, outra, bem diferente, é a capacidade dos partidos de se entenderem, de modo determinado, em torno da contenção salarial.
publicado no i.

sexta-feira, janeiro 08, 2010

Os gays não são prioridade

Tal como o amor e o cartão de crédito, os chavões políticos têm uma atracção inicial que mais tarde traz complicações. A asserção é do politólogo Michael Waller e, como sabemos das nossas vidas privadas, é quase invariavelmente válida. Roubo-a porque, nas últimas semanas, ouvimos com frequência a repetição de um chavão que revela uma atracção inicial: o casamento entre pessoas do mesmo sexo não é prioridade, designadamente num contexto de desemprego elevado.
O problema, desde logo, é que não há necessidade de ponderar entre, por um lado, conceder um direito com importante peso simbólico, que estava vedado a um conjunto de cidadãos com base na sua opção sexual, e, por outro, focar o essencial das políticas públicas nas questões económicas. Alargar um direito preexistente não colide com o esforço adicional que a crise requer das políticas públicas. Contudo, e isso é que é mais paradoxal, os mesmos que nos dizem diariamente que o tema do casamento gay não é prioritário associam-lhe, sempre, um ataque sem paralelo à família, uma instituição milenar.
Estão portanto a ver quais são as complicações: ou bem que estamos perante um ataque a uma instituição muitíssimo relevante e então o tema é uma prioridade absoluta (mesmo comparando com a consolidação estrutural das contas públicas), ou o argumento da não-prioridade não passa de uma manobra de diversão.
publicado no i.

sábado, janeiro 02, 2010

Por favor, MoveOn

No calor do escândalo Lewinsky, um grupo de activistas criou o movimento "MoveOn". Na sua génese, o objectivo era censurar o que havia a censurar no comportamento de Clinton e pressionar para que a política norte-americana - enredada em campanhas negativas e num processo de impeachment - se concentrasse no essencial: a economia e o emprego. Mais tarde, durante a presidência Bush, o movimento transformar-se-ia na mais importante organização grass-roots progressista, opondo-se à invasão do Iraque e contribuindo para a eleição de Obama.
No início deste ano, o paralelismo com Portugal não poderia ser maior.
Perante uma crise económica profunda, com contornos sociais dramáticos, a política portuguesa tem-se centrado em questões judiciais (Face Oculta); casos de polícia (BPN e BPP); patetices delirantes (a claustrofobia democrática); e desculpas de mau pagador (as coligações negativas).

Como se não bastasse, os actores políticos, do executivo ao Parlamento, passando pela Presidência, envolveram-se num jogo de passa-culpas, a fazer lembrar uma zaragata de recreio de escola primária - na qual, a certa altura, já pouco importa quem teve razão no início. Perante isto, a única coisa que podemos exigir para 2010 é que a política portuguesa siga em frente e se foque. Por exemplo, na discussão orçamental debatendo soluções. Mas, tendo em conta o que se tem passado nos últimos meses, temo que seja pedir de mais. Estaremos condenados à zaragata, nuns casos inconsequente, noutros contraproducente.

publicado no i.