sábado, abril 23, 2011

Pescado à linha

Após o surpreendente resultado de Fernando Nobre nas presidenciais, fiquei com uma certeza. Hoje, se o “Rato Mickey” se candidatar a eleições em Portugal, com uma plataforma programática suficientemente confusa e centrar o essencial do seu discurso na crítica aos partidos, arrisca-se a ter 10% dos votos. O terreno está fértil para quem ataque ou parodie o sistema político e, como se tem visto nas últimas semanas, com o triste espectáculo de cacofonia em torno do resgate financeiro, os partidos não perdem uma oportunidade para confirmar a má opinião que deles se faz. Nobre foi mais um a pôr-se de fora e a lucrar eleitoralmente com essa atitude. Mas se há quinze dias sabíamos que Nobre era crítico dos partidos, esta semana ficámos a saber que, no fundo, o problema dos partidos era simples: nunca o haviam convidado para um cargo à sua altura.
Entretanto, foram sendo recuperadas declarações de Nobre revelando as contradições de quem já apoiou quase todos os partidos, num notável curto espaço de tempo. Peço desculpa, mas o problema que Nobre coloca ao PSD não é propriamente esse. O que está em causa é algo de mais estrutural e que tem a ver com a relação dos partidos com os independentes – que, aliás, são cooptados exactamente para darem uma imagem de pluralismo face à linha oficial dos partidos.
O problema não são as contradições de Nobre ou as posições divergentes face ao PSD, o que é lamentável é que os partidos pesquem independentes à linha, interiorizando as críticas que lhes são feitas, enquanto, ao fazerem-no, aproveitam para não enfrentarem nenhum dos problemas estruturais que levam a que, cada vez menos, as pessoas reconheçam os partidos como seus representantes legítimos.
O problema dos partidos portugueses nunca passou pela capacidade de alargamento, recrutando para as suas listas o independente A ou B, que ganhou notoriedade por uma qualquer razão. Pelo contrário, não só todos os partidos o fazem, como não me parece que tenham dificuldade em encontrar protagonistas disponíveis para representar o papel. Uma ténue réstia de esperança na regeneração da vida partidária depende de outros factores: por um lado, saber se os partidos são ou não capazes de representar e acomodar interesses orgânicos, em lugar de procurar compensar o seu fechamento através de lógicas fulanizadas de envolvimento de independentes; por outro, se conseguem abandonar a volatilidade programática e a definição de políticas feita ad hoc, substituindo-as por processos estáveis, participados e que não violentem a sua relação com os eleitores.
A pesca de Nobre à linha pelo PSD não só não contribuiu para enfrentar nenhum destes problemas, como produziu dois efeitos negativos: criou mais uma dificuldade a Passos Coelho e frustrou as expectativas dos apoiantes de Nobre nas presidenciais, que se habituaram a que este dissesse cobras e lagartos dos partidos e que agora o vêem cair no regaço do inimigo de ontem.
publicado no Expresso de 16 de Abril