segunda-feira, maio 30, 2011

Bloco Central sobre a primeira semana de campanha

pode ser ouvido aqui.

sábado, maio 28, 2011

Não temos mais oportunidades

Na semana passada, Passos Coelho, que é candidato a primeiro-ministro, patrocinou a apresentação de um livro de um professor, bastante crítico da política educativa. Na iniciativa, o autor fez saber que não havia ficado satisfeito com as propostas do programa eleitoral do PSD para o sector, no qual havia colaborado. Numa declaração insólita, Passos Coelho apressou-se a garantir que, perante a insatisfação, “iria melhorar o programa”.
Esta semana, em mais uma tentativa conseguida de introduzir ruído no seu próprio discurso, de novo perante uma audiência de professores, Passos Coelho não se coibiu de descrever o programa Novas Oportunidades como "uma credenciação à ignorância”, para depois ocupar os dias seguintes a reescrever o que havia dito.
Estas declarações revelam um padrão preocupante.
Há uma forte probabilidade de Passos Coelho vir a ser primeiro-ministro. Ora uma coisa básica que um candidato ao cargo devia saber é que, contrariamente ao que a língua-de-pau sugere, não se governa nenhum sector se nos deixarmos capturar pelos interesses da área. O líder do PSD deu um passo de gigante para ficar capturado pelos professores. Não tardará muito a pagar com juros elevados a ilusão de popularidade que agora julga conquistar.
Depois, o essencial. Existe um amplo consenso na sociedade portuguesa que vê nas baixas qualificações dos ativos um obstáculo sério à competitividade da nossa economia. Apesar do diagnóstico estar feito há tempo suficiente, nem por isso fomos capazes de ultrapassar este défice estrutural. Durante muitos anos, optou-se por uma resposta tímida que passou pelo reconhecimento e certificação de competências apenas até ao 9º ano. Entretanto, o país continuava preso ao seu atraso – se continuássemos a progredir ao ritmo a que progredíamos, nem dentro de cem anos recuperaríamos.
Daí a importância das Novas Oportunidades: a primeira tentativa, sustentada por forte vontade política, de reconhecer competências e qualificar ativos, procurando acelerar o ritmo de recuperação do nosso atraso educativo. Naturalmente que um programa que envolve mais de um milhão de pessoas tem problemas. Negá-lo seria um erro. Mas as Novas Oportunidades mostraram que era possível combinar uma estratégia para o futuro (cursos profissionais para jovens e redução do abandono precoce) com uma resposta que não fique à espera que a substituição geracional resolva os nossos défices de qualificações (reconhecendo competências e complementando formação). A forma como o programa foi recebido, com cerca de um milhão e meio de portugueses a candidatarem-se e envolvendo milhares de empresas, revela uma vontade de procurar o conhecimento bastante incomum na sociedade portuguesa.
Dir-me-ão que havia alternativas. Claro que sim, continuarmos a agir lentamente ou apostarmos numa estratégia competitiva assente nos baixos salários e na mão-de-obra pouco qualificada. Julgo que tem ficado provado não termos mais oportunidades para prosseguir qualquer uma destas duas vias.

publicado no Expresso de 21 de Maio

sábado, maio 21, 2011

O diabo está na implementação

O acordo com a Troika foi recebido com entusiasmo pela generalidade dos comentadores. Após um par de semanas em Portugal, técnicos de organismos internacionais haviam conseguido fazer o que os políticos portugueses não têm sido capazes: um diagnóstico claro com um conjunto de medidas concretas para responder aos nossos atrasos estruturais. Não acompanho esta visão. O problema português nunca foi nem a capacidade de diagnóstico, nem a definição de objectivos programáticos. Independentemente da bondade das medidas, o diabo esteve sempre na implementação e monitorização dos compromissos. Ora, a este nível, o contributo do acordo com a Troika é marginal e não vejo motivos para estarmos optimistas em relação aos próximos tempos.
Pense-se em dois exemplos recentes: o encerramento de maternidades e a avaliação dos professores. Ambas as propostas partiam de um diagnóstico claro e procuravam combinar ganhos de eficiência com poupança de recursos públicos. Ora o que aconteceu é conhecido: mesmo um governo de maioria absoluta revelou-se incapaz de formar uma coligação política e social de apoio a estas medidas. Correia de Campos, enquanto encerrava maternidades, foi trucidado por uma combinação negativa de tabloidização dos media com populações devidamente arregimentadas por autarcas e finalmente remodelado após um discurso crítico de Cavaco Silva e uma sucessão de intervenções de Manuel Alegre. Já a reforma de Lurdes Rodrigues gerou enorme contestação nas ruas, mobilizando eleitoralmente os professores, num processo que encontrou o seu estertor numa coligação negativa no parlamento, com todos os partidos da oposição a convergirem na revogação da avaliação.
Se trago estes exemplos é para mostrar que a superação dos nossos défices estruturais depende não de diagnósticos e de propostas, mas da estabilização de coligações políticas e sociais (necessariamente interpartidárias) capazes de resistir à captura do interesse comum por interesses parciais.
O acordo com a Troika dá um contributo positivo: perante o constrangimento financeiro, pura e simplesmente não podemos deixar de implementar as medidas. Mas será suficiente? Não me parece. As condições para concretizar o acordado continuam, no essencial, ausentes.
Após as eleições, teremos um parlamento fragmentado e um primeiro-ministro que iniciará o mandato fragilizado, depois de uma campanha na qual os partidos se têm entretido a perpetuar uma guerrilha táctica com escasso conteúdo estratégico, minando as condições negociais futuras. O problema é que todos serão obrigados a negociar com os parceiros que agora diabolizam. Há semanas, na apresentação do orçamento norte-americano, Obama dizia “não esperar que os detalhes do acordo final se parecessem exatamente com a sua proposta. Isto é uma democracia; e é assim que as coisas funcionam”. Aí está uma frase que deveria ser colada num post-it à frente de todos os líderes partidários, como forma de socialização com uma cultura negocial que não temos e que nos faz bem mais falta do que diagnósticos ou medidas concretas.

publicado no Expresso de 14 de Maio.

sábado, maio 14, 2011

Nunca suficientemente humanos


“Robert, é provável que percas um ou mais dos teus fuzileiros, se é que isso não aconteceu já. Não deixes que os teus homens se deprimam ou fiquem presos às perdas... Nunca deixes que eles tirem prazer do ato de matar ou que odeiem o inimigo. É impossível retirar toda a emoção, mas tenta que tudo se mantenha o mais impessoal e mecânico possível. Os Talibãs têm o seu objectivo e nós o nosso. Isto é... o combate é tão desumano; tens de ajudar os teus homens a manterem a humanidade, bem como um sentido de perspectiva e de proporção”. Este excerto é parte de uma carta do general John Kelly, o militar de patente mais elevada a perder um filho no Afeganistão. Escrita dias antes da morte, é um eco notável da moralidade que, ainda assim, é possível encontrar na guerra.
No noite de domingo, terminado o anúncio do Presidente Obama, por momentos, quando a televisão começou a mostrar as primeiras pessoas que festejavam na rua a morte de Bin Laden, senti-me inclinado a percorrer a meia-dúzia de quarteirões que me separam da Casa Branca. Um misto de cansaço e de desconforto com o ambiente celebratório prenderam-me em casa. E, porventura por ser pai, os estranhos caminhos da memória reenviaram-me para o general Kelly. Foi nessa história, lida num jornal meses atrás, que encontrei o conforto moral que sempre nos parece fugir perante a morte, mesmo daqueles que, personificando o mal, desprezamos.
Mas em nenhum outro sítio como numa fotografia, entretanto muito reproduzida, encontrei a humanidade que procuramos face à morte e a humildade que devemos revelar perante o mal. Numa imagem libertada pela Casa Branca, podemos testemunhar o ambiente da ‘situation room’, enquanto era acompanhada a operação militar através de imagens enviadas em direto desde o Afeganistão. Em torno de uma mesa, vemos, num tempo suspenso, Hillary com a mão a tapar a boca, Biden recostado e Obama, prostrado a um canto, com os ombros encolhidos e a tez cingida pelos acontecimentos que não vemos, mas cuja violência podemos imaginar. Naquela fotografia, que faz parte dos poderosos mecanismos de construção simbólica da presidência norte-americana, é-nos sugerida uma moralidade que ajuda a contrariar o relativismo com que a rua, no mundo árabe, mas também no Ocidente, celebra a morte.
Naquele momento, fui capaz de entrever a liderança pelo exemplo que Obama prometeu. Um Presidente que tem perto de dois metros de altura nunca teve aos meus olhos uma estatura moral tão elevada como no ar angustiado e no corpo retraído com que seguia a operação militar. Naquele olhar, encontrei uma ressonância profunda das palavras do general Kelly: a guerra é necessariamente desumana e não lhe podemos retirar toda a emoção, mas é precisamente por isso que devemos manter sempre a humanidade. Se, por absurdo, em algum momento duvidar da superioridade moral do Ocidente, posso encontrá-la na humildade do rosto daquele homem e nas palavras do chefe militar ao seu filho, em tudo contrastantes com a cultura da morte que caracteriza a Al-Qaeda e o fundamentalismo islâmico.

publicado no Expresso de 7 de Maio

Bloco Central em torno da TSU e da entrada de Hitler na política portuguesa

para ouvir aqui.

segunda-feira, maio 09, 2011

Surpreendente mas compreensível

Surpreendente mas compreensível
Há um ano e meio, Passos Coelho exigia a Ferreira Leite uma vitória com maioria absoluta. Num artigo no Jornal de Negócios, escreveria mesmo que “é necessário lutar por um resultado mais largo (...). Para não haver dúvidas sobre o caminho a seguir nem sobre a vontade de mudança do país.” O apelo fazia sentido. O PSD havia vencido as europeias e com o desemprego em alta, a economia com um comportamento medíocre e a imagem do primeiro-ministro desgastada, todos os factores determinantes do voto jogavam a favor de Ferreira Leite. Contudo, uma campanha em que abandonou as questões económicas para se centrar num tema que se autodestruía (a ‘claustrofobia democrática’), uma liderança que se empenhou em dividir o partido e uma candidata sem carisma e que nunca chegou a apresentar um programa eleitoral levariam o PSD a uma improvável derrota. Passos tinha razão, o PSD devia ter ganho as últimas legislativas. E agora?
Ano e meio depois, a exigência do agora líder do PSD faz ainda mais sentido. Todas as variáveis que deveriam ter levado Ferreira Leite à vitória não só continuam presentes como se intensificaram. O desemprego não parou de subir, a economia entrou em recessão, o primeiro-ministro é muito impopular e o Governo perdeu a sua narrativa dominante, acabando por pedir um resgate que sempre defendera não ser necessário. O normal seria que o PSD liderasse confortavelmente as sondagens. Estranhamente, a maioria absoluta parece estar fora do alcance de Passos Coelho, uma maioria com o CDS está também em risco e, ainda mais surpreendente, a possibilidade de vitória de Sócrates não se encontra afastada. O cenário tem tanto de improvável como de compreensível.
Os portugueses não conheciam Passos Coelho e deram-lhe o benefício da dúvida. Entretanto, a maior exposição tem mostrado um líder impreparado, formado no tacticismo das juventudes partidárias, e que expõe diariamente o seu amadorismo – o que é preocupante, tendo em conta que disputar eleições é uma tarefa bem mais fácil do que governar em austeridade. Perante o que vão conhecendo, e num contexto de incerteza, os eleitores encontram refúgio num primeiro-ministro de que não gostam, mas que conhecem.
Passos Coelho tem-se encarregado de delapidar o que tradicionalmente foi uma mais-valia do PSD: um partido centrista, alinhado com o posicionamento ideológico do eleitorado. A revisão constitucional, primeiro, e as medidas a conta-gotas de pendor liberal, depois, têm encostado o partido à direita. O novo posicionamento programático poderia indiciar vontade de liderar pelas ideias. O problema é que as propostas são apresentadas atabalhoadamente, demonstrando pouca solidez, para logo depois serem abandonadas, num toca e foge a ver se pega, sem que se vislumbre um programa coerente.
Finalmente, Passos Coelho revelou-se incapaz de unir o partido e um rol de figuras relevantes tem desfilado nos media anunciando a sua indisponibilidade para colaborar com a direção. Se nem os próximos vêem em Passos Coelho um primeiro-ministro, por que razão devem os portugueses confiar nele?

publicado no Expresso de 30 de Abril.

Bloco Central sobre uma semana bizarra

Para ouvir aqui.

segunda-feira, maio 02, 2011

O inferno é a Europa

Quando há umas semanas Cavaco Silva corrigia os portugueses dizendo que já não se dizia FMI, mas FEEF, estava, no seu tom professoral, a tocar numa questão nevrálgica. Hoje, o inferno deixou de ser, como no passado, o FMI e passou a ser o fundo europeu de estabilização financeira. Não é por isso surpreendente que, na negociação do nosso resgate, o FMI queira um empréstimo mais dilatado, com juros mais baixos, de modo a atenuar os efeitos recessivos do pacote financeiro, enquanto a Europa prossegue a sua cruzada moral, com juros mais elevados e prazos mais curtos, sem cuidar dos efeitos económicos das suas exigências.
Ainda a semana passada, o director do FMI, Strauss-Kahn, chamava a atenção para a necessidade de ajustamentos orçamentais sensíveis ao emprego e à distribuição de rendimentos, alicerces da prosperidade económica e da estabilidade política. Enquanto o FMI muda, a Europa encontra-se politicamente fragmentada, com uma economia em cacos e um sistema financeiro que não resistirá a nenhum teste de stress sério. O que trouxe a Europa até aqui não foi nenhum desvio moral, mas problemas na arquitetura institucional do Euro que, enquanto dificultaram a modernização das economias periféricas, incentivaram comportamentos patológicos, aos quais nem Governos, nem sector financeiro souberam ou quiseram responder. A criação de um mercado comum, primeiro, e de uma moeda única, depois, sem política orçamental coordenada e sem integração política, foi uma tentativa de construir um arranha-céus sem fundações. Uma vez chegada a intempérie, a opção tem sido deixar ruir o edifício, em lugar de reforçar as fundações. Estamos a ver os primeiros andares a ruírem um a um.
A situação em que a Europa se encontra não é independente de duas mudanças estruturais na política alemã: por um lado, a ancoragem no Ocidente, que durava desde Adenauer, foi-se diluindo, sendo substituída por uma maior atenção ao Leste, culminando num afastamento face aos aliados das últimas décadas (veja-se a votação na ONU em relação à intervenção na Líbia); por outro, a chegada ao poder da primeira geração de líderes sem memória política da guerra e da reconstrução (Schröder e Merkel).
Este novo contexto torna a crise atual particularmente difícil de enfrentar. Se compararmos o que se passa hoje com o que aconteceu, por exemplo, no início da década de oitenta, não temos condições políticas favoráveis nos vários Estados-membros a uma resposta comum (como se vê com as eleições na Finlândia), temos um problema de lideranças (basta comparar Mitterrand, Kohl e Delors com Sarkozy, Merkel e Barroso) e, acima de tudo, não se vislumbra nenhum projecto político mobilizador, que funcione como saída para a crise (um equivalente funcional ao mercado único). Chegados aqui, a Europa parece estar condenada a tornar-se num inferno, que está a começar pelo anúncio de um longo purgatório para os países periféricos. O que revela que a única forma de salvar o projecto europeu talvez passe pela mobilização em torno da evolução para um sistema federal.

publicado na edição de 22 de Abril do Expresso

domingo, maio 01, 2011

Bloco Central sobre comemorações do 25 de Abril e 'Mais Sociedade'

para ouvir aqui.