segunda-feira, maio 09, 2011

Surpreendente mas compreensível

Surpreendente mas compreensível
Há um ano e meio, Passos Coelho exigia a Ferreira Leite uma vitória com maioria absoluta. Num artigo no Jornal de Negócios, escreveria mesmo que “é necessário lutar por um resultado mais largo (...). Para não haver dúvidas sobre o caminho a seguir nem sobre a vontade de mudança do país.” O apelo fazia sentido. O PSD havia vencido as europeias e com o desemprego em alta, a economia com um comportamento medíocre e a imagem do primeiro-ministro desgastada, todos os factores determinantes do voto jogavam a favor de Ferreira Leite. Contudo, uma campanha em que abandonou as questões económicas para se centrar num tema que se autodestruía (a ‘claustrofobia democrática’), uma liderança que se empenhou em dividir o partido e uma candidata sem carisma e que nunca chegou a apresentar um programa eleitoral levariam o PSD a uma improvável derrota. Passos tinha razão, o PSD devia ter ganho as últimas legislativas. E agora?
Ano e meio depois, a exigência do agora líder do PSD faz ainda mais sentido. Todas as variáveis que deveriam ter levado Ferreira Leite à vitória não só continuam presentes como se intensificaram. O desemprego não parou de subir, a economia entrou em recessão, o primeiro-ministro é muito impopular e o Governo perdeu a sua narrativa dominante, acabando por pedir um resgate que sempre defendera não ser necessário. O normal seria que o PSD liderasse confortavelmente as sondagens. Estranhamente, a maioria absoluta parece estar fora do alcance de Passos Coelho, uma maioria com o CDS está também em risco e, ainda mais surpreendente, a possibilidade de vitória de Sócrates não se encontra afastada. O cenário tem tanto de improvável como de compreensível.
Os portugueses não conheciam Passos Coelho e deram-lhe o benefício da dúvida. Entretanto, a maior exposição tem mostrado um líder impreparado, formado no tacticismo das juventudes partidárias, e que expõe diariamente o seu amadorismo – o que é preocupante, tendo em conta que disputar eleições é uma tarefa bem mais fácil do que governar em austeridade. Perante o que vão conhecendo, e num contexto de incerteza, os eleitores encontram refúgio num primeiro-ministro de que não gostam, mas que conhecem.
Passos Coelho tem-se encarregado de delapidar o que tradicionalmente foi uma mais-valia do PSD: um partido centrista, alinhado com o posicionamento ideológico do eleitorado. A revisão constitucional, primeiro, e as medidas a conta-gotas de pendor liberal, depois, têm encostado o partido à direita. O novo posicionamento programático poderia indiciar vontade de liderar pelas ideias. O problema é que as propostas são apresentadas atabalhoadamente, demonstrando pouca solidez, para logo depois serem abandonadas, num toca e foge a ver se pega, sem que se vislumbre um programa coerente.
Finalmente, Passos Coelho revelou-se incapaz de unir o partido e um rol de figuras relevantes tem desfilado nos media anunciando a sua indisponibilidade para colaborar com a direção. Se nem os próximos vêem em Passos Coelho um primeiro-ministro, por que razão devem os portugueses confiar nele?

publicado no Expresso de 30 de Abril.