quarta-feira, março 28, 2012

Um exemplo de manual escolar

Quando precisar de um exemplo do estado de degradação a que chegou o debate político em Portugal, não terei grandes hesitações. Escolherei a discussão em torno da Parque Escolar. É difícil encontrar outro caso tão paradigmático da pulsão a que os governos não resistem para diabolizar o que foi feito pelos seus antecessores, combinada com incapacidade de escrutínio por parte da comunicação social, e que culmina numa timidez exasperante da oposição na defesa do seu próprio legado. Um trágico retrato do país político.
A história conta-se com relativa simplicidade. Contaminado pela cultura de facilitismo que nunca se cansou de criticar, o Ministro Nuno Crato declarou a reabilitação do parque escolar como um caso de desperdício e de má gestão de recursos públicos. Para exemplificar, falou em derrapagens astronómicas, alegadamente apuradas pela Inspecção-Geral de Finanças. Numa altura em que a auditoria ainda não era pública, a imprensa, sugestionada pelo Ministro, avançou com um desvio na ordem dos 450%.
A estratégia parece-me clara. Em lugar de assumir a sua desconfiança política face à escola pública, o ministro da Educação optou por encontrar um bode expiatório que lhe permitia sugerir que o investimento no parque escolar é exemplar da ineficiência genérica do Estado. Pelo caminho, ocultou a relevância deste esforço na resposta à contracção do investimento privado no início da crise, a necessidade de reabilitar edifícios em acelerado estado de degradação, quando não em ruínas, e o potencial de geração de receitas próprias de muitas das escolas reabilitadas. Acima de tudo, manipulou uma auditoria que não só não identifica desvios colossais, como vai ao ponto de elogiar o conselho de administração da Parque Escolar por ter adoptado “boas práticas de gestão (e) garantido o controlo das derrapagens de custo das empreitadas”.
Para além de nos dizer alguma coisa sobre o perfil do Ministro Crato, a sensação com que se fica deste processo é que, no fundo, o objectivo passava por encontrar uma cortina de fumo para substituir uma administração de uma empresa pública que tinha dado provas.
Não menos relevante é o papel da comunicação social neste processo. Já sabemos que os governos têm o péssimo hábito de fazer tábua rasa de tudo o que foi feito pelos governos anteriores. Acontece que esta estratégia de terra queimada encontra na comunicação social um importante auxiliar, através da reprodução acrítica do que os governos (todos) dizem. Como é possível que vários órgãos de comunicação social tenham reproduzido acriticamente o que o Ministério afirmava serem as conclusões da auditoria? Bastava ter lido para se perceber que havia uma grande diferença entre o que dizia o relatório e o que era dito a propósito do seu conteúdo.
São exemplos como este que inviabilizam um debate público decente em Portugal e que, em última análise, não só colocam em causa a estabilidade das políticas públicas como, não menos importante, afastam da coisa pública a “boa moeda”.
artigo publicado no Expresso de 17 de Março