terça-feira, setembro 04, 2012

Dissolução Psicológica


Numa entrevista ao Der Spiegel, o primeiro-ministro italiano, Mario Monti, colocou o dedo na ferida: “as tensões que acompanham a zona euro levam implícita a semente da dissolução psicológica da Europa”. A frase é reveladora do impasse europeu. Mais do que um problema de ausência de lideranças ou de inexistência de soluções técnicas para resolver a crise da dívida soberana, o que a Europa enfrenta é uma crise dos seus fundamentos, o modo como interesses dos Estados se podem (re)articular, fazendo convergir prioridades nacionais com processo de integração.
            Contra a sobrevalorização das grandes ideias e o papel das lideranças carismáticas, talvez valha a pena recordar que, no essencial, a construção europeia foi o resultado contingente de um falhanço e de uma incapacidade.
A União Europeia surgiu para responder a um anseio popular – durante a primeira metade do século XX, o Estado-nação tinha falhado, revelando-se incapaz de garantir segurança e bem-estar económico e social – e, para ajudar a ultrapassar uma conjunto de dilemas nacionais, uma entidade supranacional foi vista como sendo mais eficaz. A Europa pode bem ser vista como um projeto político funcional, no qual os Estados aceitaram alienar parte da sua soberania em nome de preferências nacionais, assente na memória popular dos cataclismos que marcaram o continente no século XX.
Ora a dissolução psicológica de que falava Mario Monti é, hoje, produto de uma alteração profunda das circunstâncias. Não apenas a convergência entre os interesses dos Estados se dissipou, como os cidadãos europeus estão a deixar de olhar para a integração como um processo benévolo, capaz de os resgatar dos nacionalismos. Bem pelo contrário.
Hoje, os interesses do centro não são convergentes com os da periferia e a ideia de que os interesses do centro ganhariam com uma maior articulação com os do leste vai fazendo caminho, fazendo emergir a possibilidade real de descartar a periferia. Ao que acresce que a legitimidade da ideia de Europa vai perdendo popularidade a um ritmo intenso.
Talvez valha a pena ter presente que em 1997 o projeto do euro se iniciou com menos apoio do que o mercado único em 1992 e que, logo no seu início, na Alemanha, as avaliações negativas já eram superiores às positivas. Com o intensificar da crise económica, a hostilidade ao projeto europeu, assente aliás em clivagens sociais muito definidas, apresenta um potencial negativo muito forte. Como ninguém duvida que a superação da atual situação implica um reforço dos poderes do Banco Central Europeu e uma intervenção mais musculada desta instituição, talvez valha a pena ter presente que os dados do Eurobarómetro revelam que quer na Alemanha, quer em França o número dos que não confiam no BCE já é superior ao daqueles que confiam.
O sinal parece-me claro: a menos que se suspenda a democracia nos países europeus por tempo indeterminado, não se percebe como é que é possível ultrapassar o impasse que vivemos hoje. A dissolução psicológica pode bem tornar-se o primeiro passo da dissolução material da Europa.                                 

publicado no Expresso de 11 de Agosto