quinta-feira, setembro 13, 2012

Sacudir a água do capote

Não precisamos de recuar muito no tempo para reconstruir a história. Há pouco mais de um ano, fazia sentir-se por aí um clamor profundo para que se chamasse o “FMI”. Era-nos dito que era a forma de colocar fim ao despautério governamental, ao descontrolo das contas públicas e a solução para que se fizessem as reformas necessárias, invariavelmente adiadas. Com o inestimável contributo do Presidente da República, foi provocada uma crise política que tudo resolveria. Pelo caminho, José Sócrates, ao mesmo tempo que se recusava a governar com o FMI, negociava um pedido de resgate, envolvendo o PS num paradoxo insuperável, também no médio prazo. No dia 5 de Maio, com, pasme-se, um governo demissionário, o memorando era apresentado e ninguém se eximiu de assumir a sua paternidade.
Eduardo Catroga, numa memorável aparição televisiva, reclamava todos os louros do programa e declarava desassombradamente que o PSD iria ser “muito mais radical no nosso programa do que a troika”. Para que não restassem dúvidas, Passos Coelho, então candidato a primeiro-ministro, afirmaria que “o programa do PSD está muito para além daquilo que a troika propõe". Sócrates, empurrado pelas circunstâncias que já não controlava, apresentava o memorando como bem menos agressivo do que a intenção original da troika.
Sabemos hoje que o memorando tinha metas para a consolidação orçamental inviáveis e assentava numa estratégia desligada da realidade com um conjunto de condicionalismos devastadores. A ideia de austeridade expansionista foi mais uma vez testada com o insucesso de sempre. Contra todas as evidências e avisos, estrangulou-se a economia, fez-se colapsar a procura interna, aumentou-se a pressão fiscal e o inevitável aconteceu: a economia deprimiu, o desemprego aumentou para além das estimativas, a receita fiscal ficou bem abaixo do orçamentado e a despesa com os estabilizadores automáticos, pese embora todas as reformas, não parou de aumentar. No fim, sem surpresas, mesmo com um ministro das Finanças completamente alinhado com o pensamento mágico da troika, o défice não será cumprido e a dívida continua a crescer. Claro que está tudo a correr melhor do que o previsto, na visão lúcida de António Borges.

Chegados aqui, assistimos também à repetição de um filme de péssima qualidade. A troika insiste no passa-culpas que sempre fez perante o seu histórico de intervenções de insucesso e que é típico dos radicalismos ideológicos: o problema nunca é da natureza do programa, mas do modo como é aplicado. A declaração de que “este programa é do governo” vai nesse sentido. O corolário lógico é claro: para a troika, o programa grego está a falhar porque o governo não se empenhou o suficiente no seu cumprimento, enquanto o programa português está a falhar porque o governo se empenhou demasiadamente. Não se chega a perceber qual será a dose justa de empenho necessária para que um programa deste tipo corra bem. Mas em algum momento, a troika e os seus agentes nacionais terão de ser seriamente avaliados.

artigo publicado no Expresso de 8 de Setembro.