quinta-feira, outubro 18, 2012

A terapia das cabeçadas na parede


Imagine que tem uma enxaqueca bastante intensa, consulta um economista e este dá-lhe uma conselho: “bata com a cabeça na parede”. Obedientemente, dirige-se a um muro que encontra ao virar da esquina e é isso que faz. Não apenas vai sentir dores como a enxaqueca tenderá a intensificar-se. Ainda assim, porque confia no seu conselheiro, regressa para mais uma consulta. O economista amigo, depois de olhar para uma folha de excel, conclui que o problema é seu – não bateu com a cabeça com a intensidade adequada (ou seja, colocou pouco empenho na terapia) – e aconselha-o a insistir no tratamento, mas desta feita com mais vigor: tem de bater com a cabeça na parede com toda a força que for capaz. Chegados aqui, talvez convenha não ser economista para antecipar os resultados. Começará a sangrar da testa, a enxaqueca tornar-se-á insuportável e, caso tenha sido cumpridor, até o muro pode ter ficado ligeiramente danificado. É assim que o economista Bill Mitchell, no seu blog, resume as intervenções seguidas pelo FMI nos últimos anos. Hoje, já não é preciso ser grego para se estar familiarizado com a terapia das “cabeçadas na parede”.
Esta semana, contudo, o economista que o aconselhou (no caso, o FMI), assim como quem não quer a coisa, veio reconhecer que a terapia tinha um pequeno problema. Como o paciente já havia intuído, os pressupostos em que se baseava afinal estavam errados. Senão, vejamos. A crer no método, por cada euro poupado com o ajustamento orçamental, o efeito recessivo no PIB deveria ser de meio euro. No fundo, por cada vez que batia na parede (uma unidade em cabeçadas), a sua dor aumentaria em meia unidade em cabeçadas.
O que nos dizem agora os economistas do FMI? Em primeiro lugar que subestimaram os efeitos multiplicadores orçamentais de curto prazo (a enxaqueca vai ficar a pairar durante mais tempo) e que o efeito recessivo é bem maior do que o esperado, o PIB variará entre 0,9 a 1,7 euros (em lugar do meio euro avançado). Afinal, por cada cabeçada dada a sua dor intensificar-se-á.
            Estamos perante o reconhecimento de que o método das cabeçadas na parede não funciona para resolver enxaquecas, ou seja, que há um problema de raiz com os programas de ajustamento. Não fiquemos, contudo, muito otimistas em relação a possíveis mudanças de estratégia. Há um par de anos, o próprio “departamento independente de avaliação” do FMI já havia reconhecido que a organização tinha um sério problema de “group thinking” – ninguém questionava as virtudes das “cabeçadas na parede” e os ajustamentos eram construídos a partir desse pressuposto – e não decorreu daí nenhuma consequência.
            Agora, quando as contas do próprio FMI expõem o erro brutal que são estes programas de ajustamento, temos de nos colocar uma questão: vamos continuar a bater com a cabeça na parede, seguindo as sábias instruções da troika e dos seus acólitos nacionais (os Gaspares, os Moedas e os Borges, para nomear apenas alguns), ou, para tratarmos a nossa enorme enxaqueca, vamos ajudar quem nos aconselha a desenvolver uma terapia que faça sentido e seja eficaz?
Publicado no Expresso de 13 de Outubro