terça-feira, outubro 02, 2012

O poder na rua


A política está cheia de ideias que tendo um fascínio inicial acabam por ter custos enormes no médio prazo. A banalização simbólica do lugar de primeiro-ministro é uma delas. À primeira vista, termos um primeiro-ministro que passa férias numa praia popular, como se permanecesse um português comum, ou que tem uma página no Facebook, onde continua a ser o Pedro, pai e amigo, sugere uma dessacralização do poder, aproximando quem governa de quem é governado. Numa altura em que os políticos são vistos como gente não frequentável e o exercício do poder é olhado com desconfiança e percepcionado, no essencial, como uma oportunidade para se tratar da própria vida e da dos próximos, a ideia parece ter potencial.
Passos Coelho resolveu explorá-la, com a atitude temerária e pouca reflectida que caracteriza todas as suas opções. Como se sabe, a audácia anda frequentemente de braço dado com a insensatez. Numa altura em que a situação económica das famílias portuguesas se agudizava, o primeiro-ministro não hesitou em encenar umas idas à praia, devidamente televisionadas, no meio dos portugueses comuns; no dia em que anunciou as medidas mais brutais que conhecemos nas últimas décadas, achou por bem ir distender cantarolando temas populares; no dia seguinte, suspendeu o seu mandato para se justificar, enquanto Pedro, no Facebook. Ora o que é que é que aconteceu perante esta estratégia de dessacralização do poder?   
O primeiro-ministro estabeleceu uma relação com os portugueses sem distância e onde os mecanismos de mediação no exercício do poder foram aliviados. Não se deu ao respeito e, à primeira oportunidade, os portugueses responderam-lhe no mesmo tom. Procurou fazer assentar a sua legitimidade numa popularidade assente na rua, numa relação “tu cá, tu lá” com os portugueses, apresentando-se como o homem banal que nunca pode ser enquanto é primeiro-ministro e o país respondeu-lhe na mesma moeda. Perante um justificado descontentamento, os portugueses saíram em massa à rua, ao mesmo tempo que perdiam o respeito de forma irreversível ao chefe do Governo. Pelo caminho, acentuou-se a degradação institucional, que segue a um ritmo imparável.
Chegados a este ponto, quando a situação económica se deteriora e o Governo está preso nas armadilhas que colocou a si mesmo (à cabeça, a ideia peregrina de “ir além da Troika”), todos os cenários apontam para o fim político da coligação Passos/Portas: se o Governo inverter a trajetória, empurrado pela pressão da rua, são dados incentivos objectivos para que a contestação social cresça; se tudo continuar na mesma, o descontentamento continuará a crescer.
É-nos dito, com razão, que a democracia radica numa legitimidade formal e não pode cair na rua. O drama é precisamente esse: o primeiro-ministro foi à procura da rua e, no Sábado passado, esta regressou a galope. Agora, já nada há a fazer. É apenas uma questão de tempo. No fundo, “a rua” sabe que este governo acabou, só não sabe quando é que vai ser removido.

publicado no Expresso de 22 de Setembro