segunda-feira, janeiro 30, 2012

Matar o mensageiro

Matar o mensageiro
As agências de rating têm má fama e por boas razões. O papel que desempenharam no desencadear da crise está longe de ser marginal e estas agências são um exemplo paradigmático do modo como os Estados abdicaram de soberania, institucionalizando mecanismos de regulação perversos. Se estamos como estamos e, aparentemente, não conseguimos sair do lugar onde nos encontramos, devemo-lo também às agências de rating.
Mas uma coisa é a avaliação política do papel das agências de rating, outra, bem diferente, é o que nos têm dito sobre a crise europeia. Na semana passada, quando a Standard & Poor’s reviu em baixa a notação de várias Estados europeus, retirando a nota máxima à dívida francesa e remetendo Portugal para a categoria de lixo, a reacção foi matar o mensageiro e não ouvir a mensagem. É um erro. Vale a pena prestar atenção às razões invocadas pela S&P.
Para além de não individualizar os casos, tratando a zona euro conjuntamente, a S&P sublinha que a descida dos ratings decorre, no essencial, da avaliação feita sobre as decisões políticas europeias – vistas como insuficientes para responder à natureza sistémica da crise do euro. Aliás, é expressamente dito que não só as disputas prolongadas e abertas entre líderes europeus são um factor de risco, como os resultados da última cimeira não representaram uma ruptura suficiente. Esta conclusão decorre, aliás, de uma interpretação da natureza da crise: os problemas financeiros que enfrentamos são, principalmente, consequência de desequilíbrios macroeconómicos entre países do centro e da periferia, pelo que um processo de reforma assente na austeridade pode tornar-se contraproducente.
No fundo, é-nos dito que a Europa não compreendeu a crise, que não vale a pena continuar a individualizar casos, como se não houvesse risco sistémico, e que, enquanto não existir uma resposta conjunta, a sucessão de pacotes de austeridade limitar-se-á a empurrar todas as economias para uma espiral depressiva. Para a S&P, a Europa parece ter assinado um ‘pacto de suicídio’.
Perante estas conclusões, Merkel fingiu não ter percebido e afirmou que era preciso reforçar a disciplina orçamental. Monti, primeiro-ministro italiano, desdobrou-se em declarações, defendendo que “enquanto a obsessão com a austeridade persistir, a crise não acabará”, acrescentando, ao Financial Times, que concordava com “quase tudo o que é dito na análise da S&P” e que poderia ter sido ele a escrever o relatório. O Governo, pela voz sempre pausada do ministro Vítor Gaspar, repetiu, em português, a posição alemã: revelou perplexidade com a baixa da notação, reforçou o compromisso com a austeridade e com os resultados da última cimeira europeia.
A questão só pode ser uma: não terá chegado a altura de deixarmos as colagens às posições alemãs e de nos alinharmos politicamente com os nossos parceiros naturais, os que enfrentam problemas semelhantes? Que as agências de rating possam dar um contributo para esse objectivo, não deixa de ser irónico.

publicado no Expresso de 21 de Janeiro

quarta-feira, janeiro 25, 2012

O capitalismo no Estado

Passos Coelho afirmou que a privatização da EDP não tinha assentado em “nenhuma consideração de carácter geopolítico”. Muito provavelmente estava a falar verdade. A questão é bem mais grave.
Esta semana ficámos a saber que a venda do que ainda era público da EDP ao Estado chinês (é disso que se trata) terá consequências para a nossa economia política. A plêiade de nomes escolhida para o conselho geral e de supervisão da empresa só é compreensível por uma vontade de emular o modelo de capitalismo de Estado chinês. Uma tendência que, aliás, tem o condão de reforçar o pior da história do capitalismo português ao longo de todo o século XX: a iniciativa privada com escassa autonomia e grande dependência do Estado e cuja influência depende de uma troca de favores entre poder político e económico. Aqueles nomes foram escolhidos para agradar ao Governo, ao qual se retribuem favores passados e do qual se esperam gratificações futuras. Nada de novo, aparentemente.
Claro que continua a ser penoso presenciar o modo como Passos Coelho descarta uma a uma todas as promessas de campanha ou, ainda, assistir ao degradante espectáculo dado por Eduardo Catroga – que nunca se inibiu de pedir sacrifícios e criminalizações da actividade política, mas que agora não se coíbe de justificar os seus magros 639 mil euros anuais com o singelo argumento de que “quanto mais ganhar, maior é a receita do Estado com o pagamento dos meus impostos, e isso tem um efeito redistributivo para as políticas sociais”. Imaginemos que todos os portugueses invocavam este princípio para exigir aumentos salariais.
Contudo, nenhuma destas dimensões é tão grave como a sensação de que, mesmo quando vendemos os dedos e os anéis, alienando o que resta da nossa soberania, há uma dimensão estrutural que persiste e sai reforçada: o Estado bem pode sair das empresas, mas as empresas não saem do Estado.
Para quem falou em “democratização da economia” ou andou a proclamar um liberalismo de pacotilha, apreendido em três lições apressadas na contracapa de meia dúzia de livros, o caminho seguido, ainda assim, surpreende. O que Portugal está a fazer é contribuir, de modo não negligenciável, para a entrada e afirmação na Europa, num sector estratégico como o das energias, de um modelo de capitalismo que não tem nenhuma preocupação com a concorrência, que desrespeita as mais elementares regras de mercado e é socialmente insustentável. As grandes empresas chinesas são braços armados da afirmação geopolítica do Estado chinês e visam, através da expansão, garantir o crescimento e a estabilidade social, de modo a reproduzir um sistema político deplorável.
No fundo, a China sabe que pode contar com Portugal: um país em dificuldades financeiras, e por isso exposto e permeável, e que tem um lastro de promiscuidade entre poder político e económico que gera um terreno fértil ao desenvolvimento do capitalismo assente no Estado. Para liberalismo e “democratização da economia”, estamos conversados.

publicado no Expresso de 14 de Janeiro

segunda-feira, janeiro 16, 2012

A desigualdade está a passar por aqui

Em Março de 2010, quando foi dado o tiro de partida para a austeridade, o governo começou os cortes por onde nunca o deveria ter feito – limitando as transferências para a segurança social e, em particular, o financiamento da rede de mínimos sociais. A tomar à letra o que Sócrates e Teixeira dos Santos anunciavam com o PEC I, os nossos desequilíbrios orçamentais resultavam de uma generosidade excessiva da protecção social para os mais carenciados, que se resolvia com uma disciplina férrea nos apoios aos mais pobres. Passado um par de meses, Passos Coelho juntou-se para dançar o tango e desde então os PEC têm-se sucedido a um ritmo difícil de acompanhar.
Mesmo os mais pessimistas, contudo, podem ter ficado resignados e ter-se-ão deixado convencer que o processo que iniciámos vai para dois anos tinha, do ponto de vista das desigualdades, um efeito essencialmente simbólico e que, acima de tudo, não destoava do que se passava um pouco por toda a Europa. Acontece que não é de facto assim.
Um estudo recente, promovido pela Comissão Europeia e que analisa os efeitos distributivos das medidas da austeridade em seis Estados membros, conclui que se assiste a uma distribuição do esforço de consolidação orçamental distinta de país para país e que Portugal é, dos países analisados (Portugal, Espanha, Estónia, Grécia, Irlanda e Reino Unido), aquele onde as medidas de austeridade tiveram um efeito mais regressivo, com uma diminuição do rendimento disponível dos primeiros decis particularmente significativa.
De acordo com o relatório, estamos perante um caso em que Portugal não é de facto a Grécia. Enquanto na Grécia os mais ricos perderam uma proporção maior dos seus rendimentos quando comparados com os mais pobres, em Portugal passou-se exactamente o contrário: foram os mais pobres aqueles que perderam uma fatia mais significativa do seu rendimento, quando comparado com os mais ricos. Entre nós, os 10% mais pobres perderam cerca de 6% do seu rendimento, já os 10% mais ricos perderam sensivelmente 3%. Este resultado não é independente do tipo de medidas em que assentou o essencial da disciplina orçamental nos seis países estudados – com Portugal a fazer incidir o esforço desproporcionadamente num corte nas prestações sociais.
O estudo, contudo, cobre apenas o período até Junho de 2011. Poderá alguma coisa mudar entretanto? Não há motivos para estarmos optimistas. Com uma distribuição dos sacrifícios que é ainda mais iníqua (focada nos desempregados, pensionistas e funcionários públicos), a tendência só se pode intensificar. Numa das sociedades mais desiguais da Europa, temos uma distribuição do esforço de austeridade muito desigual. O que terá consequências profundas: não apenas as sociedades mais igualitárias funcionam quase sempre melhor, como a aceitação política do esforço de consolidação depende de uma distribuição o mais equitativa possível. Exactamente o que não está a acontecer em Portugal.
publicado no Expresso de 7 de Janeiro

sábado, janeiro 14, 2012

Comentário à sondagem Expresso/SIC

quinta-feira, janeiro 12, 2012

Empobrecimento e três rupturas

Na história da democracia portuguesa não se encontra outro ano como o próximo. Pela primeira vez, o empobrecimento será uma realidade incontornável, vista pelo poder político como tendo um carácter moralmente regenerador. Com uma diferença relevante: estaremos perante um retrocesso, que ocorre depois de décadas de crescimento e de expectativas sociais crescentes. Ainda assim, mesmo 2012 deve ser visto como um ano de transição. A verdadeira incógnita é que país existirá nos anos seguintes. Não é fácil antecipar. Em todo o caso, será garantidamente muito diferente daquele que conhecemos nas últimas décadas.
Em importante medida, o que ocorrerá nos próximos anos é consequência da escassa margem de manobra que resta a um país sob vigilância externa e que se financia através de um plano de resgate, negociado em condições políticas muito frágeis, no quadro de uma crise sistémica na zona euro. Em todo o caso, estes constrangimentos não só não inviabilizam totalmente os caminhos alternativos, como não obrigam a que se opte pela estratégia de enorme risco que Portugal escolheu.
Iremos assistir a processos de desestruturação social e de desmantelamento do Estado sem que se vislumbre um esforço de mobilização em torno de um modelo alternativo. Além do mais, o caminho traçado não assenta em pequenos passos graduais, mas num experimentalismo político contaminado por grandes doses de voluntarismo ideológico – que, aliás, vê a crise como oportunidade para operar transformações estruturais. Ao empobrecimento, que se manifestará no recuo da riqueza produzida em Portugal, estará associado um conjunto de rupturas que pode ser desagregado, para efeitos analíticos, em três tipos: económica; social e política.
1. Ruptura económica. Nas últimas décadas, e com um impulso decisivo após a União Económica e Monetária, as vantagens comparativas da economia portuguesa passaram a depender menos da competição pelos baixos salários e mais da capacidade das empresas em alargar a produção a novos sectores, do investimento na diferenciação do produto em sectores tradicionais e da procura de novos mercados. Este exercício dependeu de um investimento das políticas públicas na qualificação dos activos e numa redução dos custos de contexto, apostando na simplificação administrativa e na adaptabilidade das relações laborais. Não fora a degradação da envolvente externa, este percurso vinha revelando algumas virtualidades (visíveis, por exemplo, na evolução positiva das exportações). Contudo, não estávamos perante uma opção imaculada. Pelo contrário, tornou-se evidente a necessidade de escolher uma trajectória em que a evolução dos custos do trabalho fosse mais sensível às necessidades dos sectores exportadores e urgia ir mais longe na alteração dos factores que podem traduzir-se em ganhos efectivos de produtividade. A opção pelo empobrecimento como estratégia económica representa uma ruptura profunda com o caminho trilhado: regressamos aos baixos salários como factor competitivo – o que coloca uma pressão socialmente incomportável e implica saber até onde devem descer os rendimentos do trabalho para nos tornarmos competitivos.
2. Ruptura social. O mapa social do país continuará a alterar-se de modo dramático. Arrastado pelo decréscimo do PIB, o desemprego continuará a crescer, ao mesmo tempo que se mantém congelada a criação de emprego, dificultando a entrada no mercado de trabalho de muitos jovens – a geração mais qualificada que o país teve. O empobrecimento e a degradação do mercado de trabalho corresponderão a uma deterioração da distribuição dos rendimentos, intensificada por uma erosão da protecção social. A consequência será um reflorescimento das formas tradicionais de pobreza, combinado com novos mecanismos de exclusão – desde logo porque a estrutura de despesas das famílias é, hoje, mais rígida do que no passado. Este processo encontrará na diminuição das respostas dos serviços públicos na saúde uma alavanca decisiva e terá como pano de fundo um aprofundar de clivagens. A iniquidade da austeridade será um terreno fértil para a potenciação de ressentimentos sociais, que poderão bem fazer evoluir a conflitualidade social de um registo difuso para expressões bem mais significativas.
3. Ruptura política. As democracias liberais, tal como as conhecemos desde o pós-guerra, assentaram numa ligação próxima entre direitos civis e políticos, expansão das funções do Estado e promoção de direitos sociais com melhoria das condições materiais. A legitimidade política dos sistemas assentou, no essencial, no sucesso desta equação. Também o código genético da nossa democracia radicou no desenvolvimento do Estado Providência e na melhoria das condições de vida dos portugueses. Dificilmente o processo de pauperização deixará de colocar pressões intensas sobre a legitimidade política do regime. Tendo em conta que está em curso uma alteração estrutural no sistema de representação de interesses, patente na secundarização do movimento sindical e numa marginalização dos instrumentos de concertação, assistiremos a uma reconstrução do mapa das relações de poder. O facto de esta transformação ocorrer num quadro de decomposição dos mecanismos tradicionais de soberania só tenderá a tornar mais frágeis e dependentes face ao exterior as novas formas de articulação do poder político doméstico.

publicado no anuário do Expresso/Economist

terça-feira, janeiro 10, 2012

A tragédia portuguesa

Há uma dificuldade demasiado humana em lidar com a complexidade. A política não é excepção. Aliás, uma parte fundamental da acção política passa por encontrar formulações que simplifiquem o que não conseguimos processar com facilidade. O ano que agora termina foi dominado por dois bordões que cumpriram com eficácia a função a que estavam destinados: “a culpa é do Sócrates” e “vivemos acima das nossas possibilidades”.
Como em muitas outras fórmulas, há um fundo de verdade nestas asserções. Sócrates cometeu erros enquanto primeiro-ministro (à cabeça uma percepção errada da natureza da crise) e a democratização baseada nos padrões de consumo (um dos alicerces perversos da 3ª via e que contagiou o centro-esquerda europeu) teve um efeito devastador sobre as sociedades, nomeadamente aquelas que já eram mais desiguais – as dos ‘países da coesão’, para utilizar a denominação que era dominante e que entretanto foi substituída por uma outra, não por acaso com um sentido pejorativo, ‘periferia’.
Contudo, o essencial dos problemas que enfrentamos não é nem culpa de Sócrates, nem resulta de termos vivido acima das nossas possibilidades. Enquanto o tempo se encarregará de afastar estas explicações, a crise continuará por cá, mostrando a sua natureza persistente e fazendo emergir o emaranhado de causas que a provocou. Para o ano, o Governo já não poderá responsabilizar Sócrates pelo desvio colossal que ocorrerá na receita fiscal (provocado por uma queda do produto superior aos 3% agora estimados) e dificilmente alguém será capaz de, perante um país empobrecido e com desemprego muito elevado, enveredar por um discurso de responsabilização moral, em que se procura culpabilizar os portugueses pela situação em que se encontram. O Governo ficará entregue à sua soberba.
Na tragédia grega, dava-se um nome a esta tentativa arrogante de tudo querer compreender e tudo explicar – a húbris. A tragédia portuguesa é também essa: a dos que vivem a ilusão de que há um só culpado para a crise e que é possível cristalizar as suas causas em dois ou três bordões de belo efeito e com resultados imediatos. Vale a pena recordar que, na tragédia grega, o protagonista era invariavelmente vítima da húbris, da sua inclinação para desprezar a realidade e deixar-se levar pelo excesso de confiança nas suas capacidades. Os deuses castigavam o protagonista com um pathos de sofrimento, numa nêmesis que castigava a insolência, e que tinha como efeito fazer o indivíduo regressar aos limites que transgrediu.
A tragédia portuguesa vai ser mesmo essa: daqui a um ano estaremos bem pior do que hoje e já não teremos à mão as desculpas que hoje são usadas e que têm tanto de fácil como de ilusórias. Talvez então, sejamos capazes de olhar para a nossa ‘tragédia’ em todas as suas matizes. Nessa altura, vamos descobrir que a ilusão da culpa e dos culpados é apenas isso: uma ilusão.

publicado no Expresso de 30 de Dezembro

sábado, janeiro 07, 2012

Comentário na SIC-N sobre debate quinzenal e Jerónimo Martins

quarta-feira, janeiro 04, 2012

A troika do Benfica

Em Fevereiro de 2005, Sócrates venceu as eleições legislativas com 45% dos votos. Pouco tempo depois, anunciou um aumento do IVA que contrariava a promessa de não subir impostos. Seis meses após a tomada de posse, o PS aparecia em segundo lugar nas sondagens com 33.7% (barómetro Marktest). Esta queda contrasta com o que se passa hoje. Seis meses passados, o discurso de campanha foi deitado para o caixote de lixo da história, aumentaram-se impostos, cortaram-se salários e pensões e, inesperadamente, o governo revela resistência nas intenções de voto.
Uma primeira intuição leva-nos a explicar a aceitação do governo de Passos Coelho com base na ideia de que não há alternativa: o caminho é árduo, mas é o único possível. O problema é que, pese embora o amplo consenso em torno da necessidade de medidas de austeridade (que vai do CDS ao PS e passa pelo PSD, envolvendo também o Presidente), também é certo que já foram apontados percursos distintos – desde logo por Cavaco Silva, que sugeriu uma repartição do esforço de consolidação bem mais equitativa.
O mais provável é que o governo resista e se mantenha surpreendentemente popular porque existe a percepção de que quem governa de facto é a troika. O governo é apenas um executor, com escassa margem de manobra, de um memorando ao qual estamos presos. As visitas da troika, com as sistemáticas conferências de imprensa em que um conjunto de técnicos age como governantes, só reforçam a sensação. Esta narrativa tem um efeito imediato: ao mesmo tempo que desresponsabiliza Passos Coelho pelas medidas impopulares, funciona como auxiliar externo para uma agenda ideológica que de outro modo seria impossível de aplicar. A ideia que passa é que a culpa é da troika e a austeridade é imposta desde fora. O governo vai fazendo pela vida.
Se acharmos que a publicidade é ao mesmo tempo um bom barómetro e um mecanismo reprodutor do sentimento colectivo, temos vários exemplos que revelam que a ‘troika é quem mais ordena’. Desde a troika que fala à nação a propósito da campanha de um banco, passando por grandes superfícies onde é possível ‘troikar’ vales por serviços, culminando na ‘troika do Benfica’, que se apresenta nas rádios com uma promoção que tem a paradoxal ‘missão de alegrar o nosso Natal’.
O problema é que o memorando com a troika é, também, o que dele quisermos fazer. Pode ser alterado (já o foi diversas vezes), tende a ser utilizado como um instrumento de reforço da legitimidade do governo e funciona como cortina de fumo – permitindo ao executivo realizar o desejo nunca escondido de ir para além da troika, sem ser penalizado. Acontece que os efeitos económicos e sociais desta receita serão tão dramáticos que chegará o momento em que à troika deixará de estar associada boa publicidade. Nessa altura, o governo ficará sem a protecção de que agora tem gozado. Por sua conta e risco, a ilusão de popularidade evaporar-se-á.

publicado no Expresso de 23 de Dezembro