terça-feira, janeiro 15, 2013

O limite do bom senso


Toda a ação política é, por natureza, limitada. Há limites económicos, financeiros, sociais e, claro, institucionais. Em democracia, as constituições são uma forma negociada de institucionalizar esses limites. Ninguém terá dúvidas em reconhecer que, nos últimos tempos, em Portugal, todos estes limites foram sendo ultrapassados. Mas há um outro limite, menos referido, que tem sido igualmente mal tratado e que convém ser preservado – o do bom senso.
A propósito da bomba ao retardador que é o envio para o Tribunal Constitucional para fiscalização sucessiva do OE 2013, é-nos dito que, qualquer que seja o sentido do acórdão, daqui a um par de meses haverá sempre perdedores: ou o Governo, caso o TC declare as normas inconstitucionais; ou o Presidente, caso as suas “dúvidas fundadas” não sejam acompanhadas pelos juízes; ou o próprio Tribunal, caso repita a leitura de que a Constituição só se aplica no ano seguinte; ou, ainda, todos nós, caso seja necessário encontrar, a meio do ano, alternativas aos mil milhões de euros que estão em causa nas normas sob avaliação.
Convenhamos que, naquilo que é o cenário mais provável, se, quando o acórdão do TC for conhecido, o Governo optar por procurar compensar os mil milhões “inconstitucionais” com mais um pacote de austeridade, o limite do bom senso será definitivamente ultrapassado. Estaremos perante uma situação em que se tornará evidente que “há limites para os sacrifícios que se podem exigir ao comum dos cidadãos”, mas é mais do que isso que estará em causa. Ficará provado que não há mais espaço para aumentos de impostos, da mesma forma que os cortes na despesa serão, ainda para citar Cavaco Silva, “socialmente insustentáveis”. Talvez seja a última oportunidade para pararmos para pensar.
Vale a pena refletir no que se passou na Letónia. Em 2009, esta república do Báltico foi um dos primeiros “ratos de laboratório” na Europa da experiência de “austeridade expansionista” promovida pelo FMI. Enquanto se assistia a uma contração brutal na economia e a um falhanço colossal nas metas do défice para 2010, o Tribunal Constitucional letão declarou inconstitucionais cortes nas pensões, que correspondiam a 1,5% do PIB. Perante o falhanço da receita e face à decisão do TC, o FMI, em lugar de impor novos cortes, aproveitou para aliviar as metas, o que acabou por contribuir de facto para a estabilização da economia.
Se o bom senso imperar, a decisão do TC será um bom pretexto para exigirmos novas condições à Troika, em lugar de prosseguir este caminho insensato e devastador no qual o Governo tem insistido. Como disse ainda o Presidente, “temos argumentos – e devemos usá-los com firmeza – para exigir o apoio dos nossos parceiros europeus”. Esta será, contudo, uma missão reservada para o próximo primeiro-ministro.

publicado no Expresso de 5 de Janeiro