domingo, maio 12, 2013

Um problema de memória


Se tivesse de escolher uma debilidade das políticas públicas em Portugal, escolheria a instabilidade. Muda o Governo e as políticas mudam e, pior, muda o ministro no mesmo Governo e as políticas voltam a mudar. Esta inclinação para começar sempre de novo tem o efeito desastroso de diminuir a eficácia das escolhas e partir do pressuposto que, ao apagar-se a memória, a capacidade de afirmação política do novo ministro aumenta.
            Não é difícil encontrar exemplos desta tendência nas mais variadas áreas. Mas este Governo, com a sua agenda de ruturas radicais, é um paradigma vanguardista desta vontade indómita de deitar o passado para o caixote de lixo. Um indicador avançado desta vocação é, sintomaticamente, o próprio portal do Governo.
            O que deveria ser um sítio onde constaria a informação disponibilizada ao longo dos tempos pelos vários Governos passou a ser uma galeria de fotos de ministros (aliás disponíveis para download, não vá algum funcionário mais zeloso querer ter o ministro como wallpaper) e comunicados de imprensa. No fundo, a única coisa sobre a qual o Governo acha que tem de apresentar contas é a agenda mediática. No passado, ainda que com bastantes insuficiências, podíamos encontrar online documentos que enquadravam decisões, relatórios com avaliações e as próprias apresentações dos membros do Governo. Hoje, não só não há praticamente nenhuma informação relevante disponível, como aquela que existia foi apagada.
            Para dar dois exemplos de busca de informação que fiz recentemente, era possível aceder às várias apresentações públicas dos PEC e deixou de o ser – o que impossibilita a comparação entre as intervenções de Teixeira dos Santos e Vítor Gaspar, do mesmo modo que, enquanto foi extinto o programa “novas oportunidades”, deixámos de conhecer as avaliações da iniciativa.
            Os exemplos em que o histórico dos sites foi apagado são infindáveis, no que está longe de ser uma questão marginal. Conhecermos as decisões é um elemento fundamental de transparência em relação ao passado mas, também, em relação ao presente.
Este apagão no site do Governo sugere, ainda, um outro problema, não menos irrelevante: uma confusão entre o que é Estado e Governo. Uma coisa é o conjunto de decisões, necessariamente transitórias, do Governo, outra, bem diferente, é a autonomia do Estado e da administração pública, que deve ser preservada e cuja existência vai para além dos ministros de cada momento. Curiosamente, este executivo, que se apresentou como liberal, tem ido bem longe nesta confusão. Um exemplo caricato disto são as novas receitas médicas, nas quais o logotipo do Ministério da Saúde, presente desde há muito, foi substituído pela marca “Governo de Portugal”.
Já aqui escrevi, citando Ortega y Gasset, que o que distingue o homem dos outros animais é a memória. Se insistimos em apagá-la, estamos a plagiar o orangotango. Ora um portal de um Governo é um sítio tão bom como outro qualquer para este exercício de plágio.

publicado no Expresso de 4 de Maio