domingo, junho 09, 2013

Estado de ansiedade


“Um menu de medidas”. O que se pensava ser mais uma expressão infeliz do primeiro-ministro revelou-se, afinal, parte essencial do anúncio da última dose de austeridade. Bastaram 48 horas para, com a intervenção de Paulo Portas, percebermos que estávamos mesmo perante um cardápio de propostas, prontas a ser degustadas e algumas delas alegadamente descartáveis. Tudo com um propósito quase pueril: o Governo apresentava medidas que iam para além do necessário e com isso ganhava margem de manobra para, é-nos dito, negociar com a oposição, com os parceiros sociais e com a Troika.
Deixemos de lado uma evidência que salta aos olhos de todos. As medidas apresentadas tinham um impacto superior, no essencial, porque o Governo foi incapaz de, uma vez mais, chegar a um entendimento no Conselho de Ministros e prolongou na praça pública o que deveria ter sido resolvido internamente. Mas, convenhamos, a incapacidade do Governo chegar a consensos internos está longe de ser o aspecto mais preocupante.
O que assusta é a ligeireza com que Passos Coelho não se coíbe de fazer anúncios públicos de cortes sucessivos e novos impostos, como aconteceu agora em relação aos pensionistas e já havia ocorrido em Setembro com a TSU, que afinal não são para levar a sério. É o que se chama brincar com o fogo.
Não só o valor da palavra do primeiro-ministro é posto em causa – alguém estará disponível para tomar como credível um novo anúncio de Passos Coelho? –, como é gerado um clima de incerteza entre os portugueses, que tem enormes custos. Os anúncios de novos cortes nas pensões são, a este propósito, particularmente assustadores. É que uma coisa é a necessidade permanente de reformar o Estado social de forma reflectida, adaptando-o a novos contextos, outra, bem diferente, é substituir o papel das pensões como factor de estabilidade política e de previsibilidade económica por um estado de ansiedade permanente, que tem, aliás, efeitos macroeconómicos.
Sabemos hoje o que aconteceu depois de Setembro com o anúncio da TSU: uma retração imediata do consumo (visível, por exemplo, nesse indicador avançado que são as vendas de automóveis, que caíram abruptamente na segunda quinzena de Setembro). Se, ao contrário do Governo, considerarmos que a economia é uma variável relevante, rapidamente se percebe que estes anúncios, mesmo que não concretizados, produzem logo um efeito psicológico. Não por acaso, de cada vez que este Governo fala em folgas orçamentais, podemos com segurança antecipar o seu destino – são invariavelmente consumidas pela recessão que se intensifica sempre.
Como se não bastasse a degradação social, as exigências políticas associadas à austeridade e a ausência de qualquer perspectiva de saída para os nossos bloqueios económicos, temos ainda um Governo que nunca hesita entre abdicar do seu papel como factor de segurança e estabilidade para se tornar, objectivamente, um agente de incerteza e de ansiedade. Exatamente com que propósito, não se chega a perceber.
 publicado no Expresso de 11 de Maio