segunda-feira, outubro 14, 2013

A grande ilusão


Há um par de meses, o risco de um segundo resgate foi substituído por um “programa cautelar”, a conflitualidade política trocada por apelos ao consenso e a espiral recessiva deu lugar a um “novo ciclo” de crescimento e investimento. Este movimento que aparenta ser quase-tectónico não passa, contudo, de uma grande ilusão. Não é surpreendente que assim seja: com eleições à porta e com o ciclo legislativo a meio, o Governo precisa de encontrar uma narrativa mobilizadora e, no essencial, agregadora para o que resta do programa de assistência. O que surpreende é que essa grande ilusão não parece ser apenas para consumo no país. Há sinais preocupantes de que é também para consumo da troika e, pasme-se até, do próprio Conselho de Ministros.
Não só não há nada de novo no ciclo que vivemos como as dificuldades que existiam no que se pode chamar de fase “Gaspar dos últimos dias” continuam todas presentes, mesmo que tenham sido escondidas debaixo da mesa do Conselho de Ministros. O adiamento da 8ª avaliação – uma espécie de brinde autárquico – pode ter suspendido os problemas mas não os fez desaparecer. Bem pelo contrário, como aliás se tem visto pela fraca receptividade que o ímpeto negociador de Paulo Portas tem encontrado junto da troika.
Desde logo porque, ao contrário da ilusão que o próprio Governo alimenta, não há nenhum debate para ser feito em torno da reforma do Estado. Desde o fim da 7ª avaliação que as decisões estão tomadas e os cortes fixados e quantificados. A menos que ocorra um recuo, o Governo comprometeu-se junto de Draghi, Barroso e Lagarde com cortes acima de 4 mil milhões em rubricas específicas. Debater agora serviria apenas para legitimar os cortes já consagrados e que, sendo altamente recessivos, inviabilizam qualquer “novo ciclo”.
Da mesma forma, os problemas políticos que levaram à saída de Gaspar mantêm-se: da incapacidade de apresentar medidas conformes com a Constituição às divergências estratégicas no seio do Governo (que tiveram esta semana mais um episódio com os discursos dissonantes de Passos e Portas em torno da revisão das metas do défice), culminando na própria inviabilidade estrutural do programa de assistência.
Mas nada como um exemplo concreto para se perceber até onde chega o estado de ilusão em que vivemos. Pensemos na convergência entre o regime geral da segurança social e a Caixa Geral de Aposentações apresentada esta semana. A despesa da CGA é cerca de 7 mil milhões de euros anos e Portugal acordou um corte de 700 milhões (cerca de 10%). Por outro lado, já sabemos que todas as pensões inferiores a 600 euros ficam isentas, que o patamar de isenção aumenta com a idade e que não haverá cortes acima de 10%. Ao mesmo tempo, na despesa total da CGA estão incluídos beneficiários de fundos de pensões entretanto integrados que formaram pensões com regras distintas e nada se sabe sobre que tipo de cortes terão. É uma questão de fazer as contas para se perceber que os cortes anunciados ficarão bem longe da meta acordada.
A pergunta é por isso simples: o Governo está a iludir-nos a todos nós, a si próprio ou à troika?
 publicado no Expresso de 14 de Setembro