segunda-feira, outubro 14, 2013

Resistir? Não tanto


Um dos efeitos estruturais da crise nos países da Europa do sul é a lenta desagregação dos sistemas partidários tal como consolidados com a transição para a democracia. Com intensidades diferentes, temos assistido na Grécia, Itália, Espanha e Portugal a uma queda acentuada dos partidos que tiveram responsabilidades governativas nas últimas décadas. Faz sentido. Nestes países, o código genético dos partidos de Governo está indelevelmente marcado pela defesa da integração europeia e por uma melhoria das condições materiais de vida, associada à expansão do Estado social. Com a desestruturação em curso do projeto europeu e com um declínio acelerado dos níveis de vida, é natural que estes partidos vejam a sua legitimidade ferida.
Os valores mais impressivos são os da Grécia. Se em 2009 as votações conjugadas da Nova Democracia e do PASOK se aproximavam dos 80% dos votos, em 2012 caíram para os 40%. Mas a tendência tem manifestações semelhantes nos restantes países: em Itália, o partido mais votado nas últimas legislativas foi um movimento liderado por um palhaço, enquanto Força Itália e Partido Democrático – eles próprios partidos jovens – agonizavam em redor dos 20%. Espanha e Portugal são, a este propósito, países em situações distintas. Nos dois casos, as últimas legislativas ainda foram disputadas de acordo com os ciclos tradicionais de alternância, permitindo o regresso ao poder dos partidos de centro-direita, PSD e PP. Contudo, os sinais dos últimos dois anos colocam o sistema partidário espanhol e português na rota dos seus parceiros do sul.
Se tomarmos como boas as sondagens, percebemos que em Espanha uma queda muito acentuada do partido do Governo, o PP, de 45% nas legislativas para 25% nas últimas sondagens, não foi acompanhada por uma subida das intenções de voto no PSOE - teve 29% nas eleições e agora não descola dos 20%. Tal como na Grécia, PP e PSOE juntos deixaram de valer cerca de 70% dos votos, caindo para os 40%.
Portugal parece ser um caso distinto, com PSD e PS a revelarem, comparativamente, uma resiliência surpreendente. Aliás, o politólogo da London School of Economics Alexandre Afonso  enunciava, num interessante artigo, algumas explicações para a diferença entre Grécia e Portugal. Por um lado, o sistema partidário grego assentava numa cultura de clientelismo inexistente, com a mesma escala, entre nós, que se tornou inviável com níveis elevados de austeridade; por outro, a própria austeridade em Portugal foi negociada entre os vários partidos, dificultando a atribuição de responsabilidades, logo protegendo os partidos.
O problema é que 2011 é já um mau barómetro das tendências. Se olharmos para a média das sondagens calculada por Pedro Magalhães, PS e PSD têm hoje 60% das intenções de voto, aproximadamente menos 10 p.p. do que nas últimas legislativas. A este propósito, as próximas autárquicas podem ser um teste interessante, em que dinâmica cíclica (penalização eleitoral dos partidos do Governo) se pode combinar com transformação estrutural (queda eleitoral conjugada de PS/PSD/CDS). Uma reflexão que fica para a próxima semana.
publicado no Expresso de 17 de Agosto