segunda-feira, outubro 14, 2013

Uma verdade sistémica


Quase cinco anos passados sobre o eclodir da crise financeira, em Portugal discute-se, a propósito de um instrumento financeiro que é um exemplo vivo das causas da crise, um problema comportamental de uma Ministra das Finanças. Não restam dúvidas de que, como afirmou Rui Rio esta semana, numa “democracia adulta” Maria Luís Albuquerque já não seria ministra. Mas a questão dos swaps, tendo uma dimensão comportamental, é bem mais complexa e de natureza sistémica.
Durante mais de uma década, os swaps foram o produto financeiro sexy por excelência. Um pouco por todo o mundo, o sistema financeiro convenceu governos, poder local e empresas públicas de que estes produtos eram ideais. O objectivo era claro: segurar os investimentos face a subidas das taxas de juros. O problema é que as taxas desceram para níveis historicamente baixos. Com consequências. Enquanto o sistema financeiro passou a acumular ganhos, todas as outras partes acumularam perdas.
Hoje, é claro que, tal como os empréstimos sub-prime, os swaps são uma arma financeira de destruição maciça, um jogo de alto-risco que foi literalmente vendido por partes interessadas e detentoras de mais informação e mais poder. Os swaps são o mais importante dos produtos derivados (representam 80% de todos os contratos derivados) e um instrumento que, de facto, sustenta a economia global financeirizada. Vale a pena colocar o tema em perspectiva. O PIB total do mundo é de cerca de 50 triliões de dólares, enquanto o valor total dos swaps existentes é de 441 triliões de dólares, cerca de oito vezes a produção do mundo inteiro. No mínimo, dá que pensar.
Numa interessante entrevista ao Público, a economista Mariana Abrantes de Sousa chamava a atenção para um conjunto de factos singelos. Por um lado, sublinha a “estupidez global” destes produtos, que têm levado à falência de cidades (os casos mais conhecidos são Stockton, na Califórnia, e Detroit) e, por outro, defende que estes contratos foram possíveis, em importante medida, por força da desestruturação da administração pública, cada vez menos capaz de lidar com problemas complexos – “antigamente, a Direcção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF) geria a dívida, as empresas públicas, as PPP, o património. Tinha uma mão firme em todas essas áreas. (...) a DGTF foi definhando. Essa separação dispersou conhecimento que antes estava concentrado no Terreiro do Paço”.
Não deixa de ser revelador que, cinco anos depois do deflagrar da crise, se assista a uma discussão sobre swaps que, no essencial, trata o problema como sendo sistémico e comportamental do lado do Estado (que, é-nos dito, vive acima das possibilidades e se deixou arrastar pela voragem do crédito fácil) e apenas comportamental do lado do sistema financeiro (a ganância que moveu os banqueiros), quando, na verdade, o problema é sistémico dos dois lados. Um Estado que tem sido desnatado, em nome da austeridade, o que fragiliza objectivamente a capacidade de defender o interesse público, e um sistema financeiro que passou incólume por uma crise pela qual é responsável último.
 publicado no Expresso de 3 de Agosto