domingo, novembro 10, 2013

Há três anos a queimar dinheiro


Num dos derradeiros artigos que escreveu no Jornal de Negócios, pouco tempo antes de nos abandonar, o economista João Pinto e Castro resumia com precisão a obra política de Vítor Gaspar: “queimar dinheiro na praça pública”.
Em 2012 e 2013, o Governo português retirou da economia 15 mil milhões de euros, através da combinação de um brutal aumento de impostos com cortes na despesa. Os resultados são os que conhecemos: um corte desta ordem de grandeza traduziu-se numa diminuição efetiva do défice de 3 mil milhões de euros. Pelo caminho queimaram-se 12 mil milhões de euros. Talvez esta seja a forma mais clara de revelar o carácter autodestrutivo de doses massivas e descontroladas de austeridade. A receita cai, a despesa com proteção social cresce, a economia colapsa e a dívida e o desemprego não param de subir.
Podemos, sem dificuldade, atualizar o projeto de queima de dinheiro na praça pública iniciado em 2011. Os mais de 5 mil milhões de austeridade de 2013 (que diminuíram para perto de 4 mil milhões por força da decisão economicamente positiva do Tribunal Constitucional) traduziram-se numa consolidação residual. A austeridade de 2013 foi toda perdida para a recessão e o défice que transita para 2014 é, imagine-se, o mesmo que transitou de 2012. Continuou a queimar-se dinheiro a um ritmo assinalável com as consequências económicas e sociais que conhecemos.
Muitos leitores conhecerão um sério aviso epistemológico deixado por Albert Einstein: “não há nada que seja maior evidência de insanidade do que fazer a mesma coisa dia após dia e esperar resultados diferentes”. É esse, no essencial, o objectivo do Orçamento do Estado para 2014. Depois do que aconteceu em 2012 e 2013, o Governo prepara-se para fazer a mesma coisa em 2014 mas espera obter resultados diferentes. Partindo de um défice de 5,8%, o Governo estima reduzir o desequilíbrio orçamental em 2 pontos percentuais, para 4%, com 4 mil milhões de austeridade. Como e porquê? Ninguém sabe. A loucura prossegue, enquanto assistimos ao espantoso exercício que é queimar dinheiro na praça pública para satisfazer os desejos sado-masoquistas dos credores.
O mais provável é estarmos perante uma enorme farsa política. A troika não aceitou rever as metas do défice, como ambicionava a parte irrevogável do Governo, mas o Governo age como se isso tivesse acontecido. A meta do défice será superior à acordada (4%) e, mesmo num cenário otimista, acima da que o próprio Governo quis que fosse a meta revista (4,5%).
Não sei se é a troika que gosta de ser enganada ou se é o Governo que pensa que alguém acredita nesta farsa. Em todo o caso, talvez não fosse má ideia que se ensaiasse uma explicação para justificar este desvario. Até prova em contrário, estamos apenas perante um pretexto – que aliás surgiu no decorrer da 5ª avaliação do memorando – para cortar 5 mil milhões de euros no Estado Social. No fundo, um Governo incompetente mas eficaz naquilo que é o seu verdadeiro propósito.
publicado no Expresso de 18 de Outubro