segunda-feira, dezembro 16, 2013

A receita para o desastre


A política portuguesa parece estar bloqueada num circuito fechado. Semana sim, semana não, surge um apelo salvífico ao consenso para, logo depois, se assistir a um extremar, se possível ainda maior, de posições. Desta feita foi Rui Rio quem afirmou não ver “hipóteses nenhumas de sair desta crise política - e não económica - sem um entendimento entre os partidos do regime”.
Vale a pena tentar perceber qual a razão para termos esta relação fetichista com os consensos, ao mesmo tempo que somos incapazes de concertar posições nas políticas.
Não é por acaso que quem busca um espaço de afirmação política opta, sistematicamente, pelos pedidos de entendimentos. Há de facto em Portugal uma desconfiança em relação à dissensão e à politização das opções que favorece os discursos que cavalgam a desconfiança face aos partidos e que se procuram colocar acima da política. É, aliás, uma tendência com lastro histórico. De tal forma que a encontramos nos lugares mais insuspeitos. A semana passada, na comemoração dos 40 anos do Congresso da Oposição Democrática de Aveiro, a historiadora Luísa Tiago Oliveira recordava que no congresso de 1973, entre as teses sobre organização do Estado, era reivindicada a legalização dos partidos, a par com as organizações juvenis, as coletividades e os cineclubes. Como desvalorização simbólica dos partidos como espaço de representação estamos conversados.
Parece, por isso, paradoxal que os apelos não se traduzam em consensos de facto. Mas há razões para que assim seja.
Em Portugal, procuramos entendimentos com base em posições ideológicas em lugar de procurá-los em torno de políticas concretas (que são, naturalmente, emanações de preferências ideológicas). Ora, enquanto as discussões ideológicas tendem a favorecer o imobilismo ou o extremar de posições, a discussão sobre políticas, se for baseada na informação factual e no conhecimento, torna o diálogo possível. Mais, um esforço de concertação – que é diferente do consenso – permite preservar distinções programáticas enquanto favorece a estabilidade das políticas.
Um contexto em que a política é desvalorizada e em que somos incapazes de valorizar a avaliação das políticas (como revela, por exemplo, o silêncio do Ministro Crato face aos resultados do relatório PISA) é o caldo perfeito para que os apelos ao consenso coexistam com instabilidade nas políticas e uma tendência para ignorar os legados, desmantelando programas que, podendo estar a funcionar, são substituídos.
Vivemos de facto uma crise política. Mas uma crise que assenta numa combinação de fanatismo ideológico que inviabiliza o diálogo com uma propensão notável para desconsiderar os factos. A receita para o desastre assenta num espírito de cruzada insensível aos sinais dados pela realidade. Precisamos, de facto, de concertação, mas a primeira coisa a fazer é voltar a considerar a realidade como uma variável relevante. Será pedir muito?
 publicado no Expresso de 14 de Dezembro